O SENHOR TE CHAMA


"Gostaria de dizer àqueles e àquelas que se sentem longe de Deus e da Igreja, aos que têm medo ou aos indiferentes:
O Senhor também te chama para seres parte do seu povo, e o faz com grande respeito e amor!" EG, n.113.

CATEQUESES DO PAPA FRANCISCO SOBRE O PAI NOSSO


Catequese sobre o Pai Nosso - 1 - A ORAÇÃO DO PAI NOSSO

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje iniciamos um ciclo de catequeses sobre o “Pai-Nosso”.

Os Evangelhos transmitiram-nos alguns retratos muito vivos de Jesus como homem de oração: Jesus rezava. Não obstante a urgência da missão e a premência de tantas pessoas que o reivindicavam, Jesus sentia a necessidade de se afastar na solidão e de orar. O Evangelho de Marcos narra-nos este pormenor desde a primeira página do ministério público de Jesus (cf. 1, 35). O dia inaugural de Jesus em Cafarnaum concluiu-se de modo triunfal. Ao anoitecer, uma multidão de doentes chegou à porta onde Jesus estava: o Messias prega e cura. Realizam-se as antigas profecias e as expectativas de muitos sofredores: Jesus é o Deus próximo, o Deus que nos liberta. Mas aquela multidão ainda é pequena se for comparada a muitas outras multidões que se reunirão em volta do profeta de Nazaré; em certos momentos trata-se de assembleias oceânicas, e Jesus permanece no centro de tudo, o esperado pelo povo, o êxito da esperança de Israel.
E no entanto ele afastava-se; não permanecia refém das expectativas de quem o elegeu líder. Este é um perigo para os líderes: apegar-se demasiado às pessoas, não manter as distâncias. Jesus dá-se conta disto e não permanece refém do povo. Desde a primeira noite de Cafarnaum demonstra que é um Messias original. Na última parte da madrugada, quando já se anunciava a aurora, os discípulos procuravam-no mas não conseguiam encontrá-lo. Onde está? Até que Pedro finalmente o encontra num lugar isolado, completamente absorto em oração. E diz-lhe: «Todos te procuram!» (Mc 1, 37). A exclamação parece ser a cláusula ligada a um sucesso plebiscitário, a prova do bom êxito de uma missão.
Mas Jesus diz aos seus discípulos que deve ir para outro lugar; que não é o povo que o procura mas, antes de tudo, é Ele que procura os outros. Por isso não pode ganhar raízes, mas permanece continuamente peregrino pelas estradas da Galileia (vv. 38-39). E peregrino também rumo ao Pai, isto é: rezando. A caminho em oração. Jesus reza. E tudo acontece numa noite de oração.
Nalgumas páginas da Escritura parece que principalmente é a oração de Jesus, a sua intimidade com o Pai, que governa tudo. Por exemplo, será assim sobretudo na noite do Getsemani. O último trecho do caminho de Jesus (absolutamente o mais difícil entre os que tinha percorrido) parece encontrar o seu sentido na escuta contínua que Jesus oferece ao Pai. Uma oração certamente não fácil, aliás, uma verdadeira “agonia”, no sentido agnóstico dos atletas, e no entanto uma prece capaz de apoiar o caminho da cruz.
Eis o ponto essencial: ali Jesus rezava.
Jesus orava com intensidade nos momentos públicos, partilhando a liturgia do seu povo, mas procurava também lugares afastados, separados do turbilhão do mundo, lugares que permitissem entrar no segredo da sua alma: é o profeta que conhece as pedras do deserto e sobe aos cimos dos montes. As últimas palavras de Jesus, antes de expirar na cruz, foram palavras dos salmos, isto é da oração, da prece dos judeus: rezava com as orações que a mãe lhe ensinara.
Jesus orava como todos os homens do mundo. E no entanto, no seu modo de rezar, havia também um mistério, algo que certamente não escapava aos olhos dos seus discípulos, se nos Evangelhos encontramos aquela súplica tão simples e imediata: “Senhor, ensina-nos a rezar” (Lc 11, 1). Eles viam Jesus rezar e tinham vontade de aprender a orar: “Senhor, ensina-nos a rezar”. E Jesus não se recusou, não era ciumento da sua intimidade com o Pai, pois veio precisamente para nos introduzir nesta relação com o Pai. E assim torna-se mestre de oração dos seus discípulos, como certamente quer sê-lo para todos nós. Também nós devemos dizer: “Senhor, ensina-me a rezar. Ensina-me”.
Mesmo se rezamos há muitos anos, devemos aprender sempre! A oração do homem, este anseio que nasce de maneira tão natural da nossa alma, talvez seja um dos mistérios mais impenetráveis do universo. E não sabemos sequer se as preces que dirigimos a Deus são efetivamente aquelas que Ele quer que lhe dirijamos. A Bíblia dá-nos inclusive testemunho de orações inoportunas, que no fim são recusadas por Deus: é suficiente recordar a parábola do fariseu e do publicano. Somente este último, o publicano, volta justificado do templo para casa, porque o fariseu era orgulhoso e gostava que as pessoas o vissem rezar e fingia que orava: o coração era frio. E Jesus disse: este não é justificado «porque quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado» (Lc 18, 14). O primeiro passo para rezar é ser humilde, ir ter com o Pai e dizer: “Olha para mim, sou pecador, débil, malvado”, cada um sabe o que dizer. Mas começa-se sempre com a humildade, e o Senhor ouve. A prece humilde é ouvida pelo Senhor.
Portanto, ao iniciar este ciclo de catequeses sobre a oração de Jesus, o melhor e mais correto que todos deveríamos fazer seria repetir a invocação dos discípulos: “Mestre, ensina-nos a rezar!”. Será bom, neste tempo de Advento, repetir: “Senhor, ensina-me a rezar”. Todos podemos ir além e rezar melhor; mas pedindo-o ao Senhor: “Senhor, ensina-me a rezar”. Façamos isto neste tempo de Advento e Ele certamente não deixará cair no vazio a nossa invocação.

Catequese sobre o Pai Nosso - 2 - "PEDIR COM CONFIANÇA"

Amados irmãos e irmãs, bom dia!

Prossigamos o caminho de catequeses sobre o “Pai-Nosso”, iniciado na semana passada. Jesus põe nos lábios dos seus discípulos uma prece breve, audaz, formada por sete pedidos — um número que na Bíblia não é casual, indica plenitude. Digo audaz, porque se Cristo não a tivesse sugerido, provavelmente nenhum de nós — aliás, nenhum dos teólogos mais famosos! — ousaria rezar a Deus desta maneira.
Com efeito, Jesus convida os seus discípulos a aproximar-se de Deus e a fazer-lhe com confidência alguns pedidos: antes de tudo em relação a Ele e depois em relação a nós. Não há prefácios no “Pai-Nosso”. Jesus não ensina fórmulas para “adular” o Senhor, aliás, convida a pedir-lhe abatendo as barreiras da reverência e do medo. Não diz para se dirigir a Deus chamando-lhe “Omnipotente”, “Altíssimo”, “Tu, que estás tão distante de nós, eu sou miserável”: não, não diz assim, mas simplesmente “Pai”, com toda a simplicidade, como as crianças se dirigem ao pai. E esta palavra “Pai", expressa a confidência e a confiança filial.
A oração do “Pai-Nosso” afunda as suas raízes na realidade concreta do homem. Por exemplo, faz-nos pedir o pão de cada dia: pedido simples mas essencial, o qual diz que a fé não é uma questão “decorativa”, separada da vida, que intervém quando todas as outras necessidades foram satisfeitas. No máximo, a oração começa com a própria vida. A prece — ensina-nos Jesus — não começa na existência humana quando o estômago está cheio: ao contrário, existe onde quer que haja um homem, um homem qualquer que tem fome, que chora, que luta, que sofre e se pergunta “porquê”. A nossa primeira prece, num certo sentido, foi o gemido que acompanhou o primeiro respiro. Naquele choro de recém-nascido anunciava-se o destino de toda a nossa vida: a nossa fome contínua, a nossa sede perene, a nossa busca de felicidade.
Jesus, na oração, não quer apagar o humano, não o quer anestesiar. Não quer que moderemos as perguntas nem os pedidos aprendendo a suportar tudo. Ao contrário, quer que cada sofrimento, qualquer preocupação, se projete rumo ao céu e se torne diálogo.
Ter fé, dizia uma pessoa, significa acostumar-se ao brado.
Todos deveríamos ser como o Bartimeu do Evangelho (cf. Mc 10, 46-52) — recordemos aquele excerto do Evangelho, Bartimeu, o filho de Timeu — aquele homem cego que mendigava às portas de Jericó. Tinha à sua volta tantas pessoas bondosas que lhe impunham o silêncio: “Cala-te! O Senhor passa. Cala-te. Não incomodes. O Mestre tem muitas coisas a fazer; não o aborreças. Tu importunas com os teus gritos. Não perturbes”. Mas ele não ouvia aqueles conselhos: com santa insistência, pretendia que a sua mísera condição pudesse finalmente encontrar Jesus. E bradava mais alto! E as pessoas educadas: “Não, é o Mestre, por favor! Ficas mal visto!”. E ele bradava porque queria ver, queria ser curado: «Jesus, tem piedade de mim!» (v. 47). Jesus restitui-lhe a vista e diz-lhe: «A tua fé te salvou» (v. 52), como que para explicar que o mais decisivo para a sua cura foi aquela prece, aquela invocação bradada com fé, mais forte que o “bom senso” de muitas pessoas que queriam que ele se calasse. A oração não só precede a salvação, mas de certa forma já a contém, pois liberta do desespero de quem não acredita numa saída para tantas situações insuportáveis.
Depois, certamente, os crentes sentem também a necessidade de louvar a Deus. Os evangelhos contêm a exclamação de júbilo que promana do Coração de Jesus, cheio de grata admiração pelo Pai (cf. Mt 11, 25-27). Os primeiros cristãos sentiram até a exigência de acrescentar ao texto do “Pai-Nosso” uma doxologia: «Porque teu é o poder e a glória nos séculos» (Didaqué, 8, 2).
Mas nenhum de nós é obrigado a aceitar a teoria que no passado alguém propôs, isto é, que a oração de pedido seja uma forma tíbia da fé, enquanto que a oração mais autêntica seria o louvor puro, aquele que procura Deus sem o peso de pedido algum. Não, isto não é verdade. A prece de pedido é autêntica, espontânea, é um ato de fé em Deus que é Pai, que é bom, omnipotente. Trata-se de um ato de fé em mim, que sou pequenino, pecador, necessitado. E por isso a oração para pedir algo é muito nobre. Deus é o Pai que tem imensa compaixão por nós, e deseja que os seus filhos lhe falem sem medo, chamando-lhe diretamente “Pai”; ou nas dificuldades dizendo: “Mas Senhor, o que me fizeste?”. Por isso podemos contar-lhe tudo, até aquilo que na nossa vida permanece distorcido e incompreensível. E prometeu-nos que teria ficado conosco para sempre, até ao último dia que vivermos nesta terra. Rezemos o Pai-Nosso, começando assim, simplesmente: “Pai” ou “Papá”. E Ele compreende-nos e ama-nos muito.

Catequese sobre o Pai Nosso: 3 - "PAI NOSSO NO CENTRO DO SERMÃO DA MONTANHA"

Amados irmãos e irmãs, bom dia e também bom ano!

Prosseguimos as nossas catequeses sobre o “Pai-Nosso”, iluminados pelo mistério do Natal que acabamos de celebrar.
O evangelho de Mateus coloca o texto do “Pai-Nosso” num ponto estratégico, no centro do sermão da montanha (cf. 6, 9-13). Entretanto observemos o cenário: Jesus sobe à colina junto do lago, senta-se; em seu redor, em círculo, estão os seus discípulos mais íntimos, e depois uma grande multidão de rostos anônimos. É esta assembleia heterogênea a primeira que recebe a recomendação do “Pai-Nosso”.
A colocação, como foi dito, é muito significativa; pois neste longo ensinamento, que está sob o nome de “sermão da montanha” (cf. Mt 5, 1-7, 27), Jesus condensa os aspectos fundamentais da sua mensagem. O começo é como um arco decorado para a festa: as Bem-aventuranças. Jesus coroa de felicidade uma série de categorias de pessoas que no seu tempo — mas também no nosso! — não eram muito consideradas. Bem-aventurados os pobres, os mansos, os misericordiosos, as pessoas humildes de coração... Esta é a revolução do Evangelho. Onde há o Evangelho há revolução. O Evangelho não nos deixa impassíveis, estimula-nos: é revolucionário. Ao contrário, todas as pessoas capazes de amor, os artífices de paz, que até então tinham acabado nas margens da história, são os construtores do Reino de Deus. É como se Jesus dissesse: ide em frente vós, que levais no coração o mistério de um Deus que revelou a sua omnipotência no amor e no perdão!
Desta porta de entrada, que inverte os valores da história, sobressai a novidade do Evangelho. A Lei não deve ser abolida mas precisa de uma nova interpretação, que a reconduza ao seu sentido originário. Se uma pessoa tem um coração bondoso, predisposto para o amor, então compreende que cada palavra de Deus deve ser encarnada até às suas últimas consequências. O amor não tem confins: pode-se amar o próprio cônjuge, o próprio amigo e até o próprio inimigo com uma perspectiva totalmente nova. Jesus diz: «Eu, porém, digo-vos: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no Céu, pois Ele faz com que o Sol se levante sobre os bons e os maus e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores» (Mt 5, 44-45).
Eis o grande segredo que está na base de todo o sermão da montanha: sede filhos do vosso Pai que está nos céus. Aparentemente estes capítulos do Evangelho de Mateus parecem ser um sermão moral, parecem evocar uma ética tão exigente impossível de praticar, mas ao contrário descobrimos que são sobretudo um discurso teológico. O cristão não é alguém que se compromete a ser mais bondoso que os outros: sabe que é pecador como todos. O cristão é simplesmente um homem que para diante da nova Sarça Ardente, da revelação de um Deus que não inclui o enigma de um nome impronunciável, mas que pede aos seus filhos que o invoquem com o nome de “Pai”, que se deixem renovar pelo seu poder e que reflitam um raio da sua bondade para este mundo tão sedento de bem, à espera de boas novas.
Eis portanto como Jesus introduz o ensinamento da oração do “Pai-Nosso”. Fá-lo afastando-se de dois grupos do seu tempo. Antes de tudo os hipócritas: «não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar de pé nas sinagogas e nos cantos das ruas, para serem vistos pelos homens» (Mt 6, 5). Há pessoas capazes de tecer orações ateias, sem Deus e fazem-no para serem admirados pelos homens. E quantas vezes nós vemos o escândalo daquelas pessoas que vão à Igreja e ficam lá o dia inteiro ou vão todos os dias e depois vivem odiando os demais ou falando mal das pessoas. Isto é um escândalo! É melhor não ir à igreja: vives assim, como se fosses ateu. Mas se vais à igreja, vive como filho, como irmão e dá um verdadeiro testemunho, não um contratestemunho. Ao contrário, a oração não tem outro testemunho crível a não ser a própria consciência, na qual se entrelaça um contínuo diálogo muito intenso com o Pai: «Tu, porém, quando orares, entra no quarto mais secreto e, fechada a porta, reza em segredo a teu Pai» (Mt 6, 6).
Depois Jesus distancia-se da oração dos pagãos, «que usam de vãs repetições [...] porque pensam que, por muito falarem, serão atendidos» (Mt 6, 7). Talvez aqui Jesus faça alusão àquela “captatio benevolentiae” que era a premissa necessária de tantas preces antigas: a divindade devia ser de qualquer forma acalmada com uma longa série de louvores, até de orações. Pensemos naquele cenário do Monte Carmelo, quando o profeta Elias desafiou os sacerdotes de Baal. Eles gritavam, dançavam, pediam muitas coisas para que o seu deus os ouvisse. E Elias, ao contrário, estava em silêncio e o Senhor revelou-se a Elias. Os pagãos pensam que falando, falando, falando, falando se reza. E também eu penso em tantos cristãos que creem que rezar é — desculpai — “falar a Deus como um papagaio”. Não! Rezar faz-se com o coração, de dentro. Ao contrário — diz Jesus — quando rezas, dirige-te a Deus como um filho ao seu pai, o qual sabe do que precisas ainda antes que tu lho peças (cf. Mt  6, 8). Poderia ser também uma prece silenciosa, o “Pai-Nosso”: no fundo é suficiente pôr-se sob o olhar de Deus, recordar-se do seu amor de Pai, e isto é suficiente para sermos ouvidos.
É bom pensar que o nosso Deus não precisa de sacrifícios para conquistar o seu favor! Não tem necessidade de nada, o nosso Deus: na oração pede unicamente que mantenhamos aberto um canal de comunicação com Ele para nos descobrirmos sempre seus filhos amadíssimos. E Ele ama-nos tanto.

Catequese sobre o Pai Nosso: 4 - "JESUS ORANTE"

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!


A catequese de hoje refere-se ao Evangelho de Lucas. Com efeito, é sobretudo este Evangelho, desde as narrações da infância, que descreve a figura de Cristo numa atmosfera densa de oração. Ele contém os três hinos que cadenciam todos os dias a oração da Igreja: o Benedictus, Magnificat e o Nunc dimittis.
E nesta catequese sobre o Pai-Nosso vamos em frente, e vemos Jesus como orante. Jesus reza! Por exemplo, na narração de Lucas o episódio da Transfiguração deriva de um momento de oração. Diz assim: «Enquanto orava, o seu rosto transformou-se e as suas vestes tornaram-se resplandecentes» (9, 29). Mas cada passo na vida de Jesus é como que impelido pelo sopro do Espírito que o guia em todas as ações. Jesus reza no batismo no Jordão, dialoga com o Pai antes de tomar as decisões mais importantes, retira-se muitas vezes na solidão para orar, intercede por Pedro que em breve o renegará. Diz assim: «Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos joeirar como o trigo; mas Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça» (Lc 22, 31-32). Isto consola: saber que Jesus reza por nós, ora por mim, por cada um de nós, a fim de que a nossa fé não desfaleça. E isto é verdade! “Mas padre, ainda o faz?”. Ainda o faz perante o Pai. Jesus reza por mim. Cada um de nós pode dizê-lo. E também podemos dizer a Jesus: “Tu oras por mim, continua a rezar porque preciso disto”. Assim: com coragem!
Até a morte do Messias está imersa num clima de oração, a ponto que as horas da Paixão parecem marcadas por uma calma surpreendente: Jesus consola as mulheres, reza pelos seus crucificadores, promete o paraíso ao bom ladrão e expira dizendo: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23, 46). A prece de Jesus parece atenuar as emoções mais violentas, os desejos de vingança e de desforra, reconcilia o homem com a sua acérrima inimiga, reconcilia o homem com esta inimiga, que é a morte.
É ainda no Evangelho de Lucas que encontramos o pedido, expresso por um dos discípulos, de poderem ser instruídos na oração pelo próprio Jesus. E diz assim: «Senhor, ensina-nos a rezar» (Lc 11, 1). Viam que Ele orava. “Ensina-nos — também nós o podemos dizer ao Senhor — Senhor. Bem sei que Tu rezas por mim, mas ensina-me a rezar, para que também eu possa orar”.
Deste pedido — «Senhor, ensina-nos a rezar» — nasce um ensinamento bastante amplo, através do qual Jesus explica aos seus com que palavras e com que sentimentos se devem dirigir a Deus.
A primeira parte deste ensinamento é precisamente o Pai-Nosso. Rezai assim: “Pai, que estais no céu”. “Pai”: esta palavra tão agradável de pronunciar. Nós podemos passar todo o tempo da oração unicamente com esta palavra: “Pai”! E sentir que temos um Pai: não um patrão, nem um padrasto. Não: um Pai! O cristão dirige-se a Deus, chamando-o antes de tudo “Pai”!
Neste ensinamento que Jesus oferece aos seus discípulos é interessante meditar sobre algumas instruções que coroam o texto da oração. Para nos dar confiança, Jesus explica algumas coisas. Elas insistem sobre as atitudes do crente que reza. Por exemplo, há a parábola do amigo importuno, o qual vai perturbar uma família inteira que dorme, porque uma pessoa chegou inesperadamente de uma viagem e ele não tem pão para lhe oferecer. O que diz Jesus àquele que bate à porta e acorda o amigo? «Digo-vos — explica Jesus — que embora não se levante para lhos dar por ser seu amigo, ao menos, levantar-se-á, devido à impertinência dele, e dar-lhe-á tudo quanto precisar» (Lc 11, 8). Com isto quer ensinar-nos a rezar e a insistir na oração. E imediatamente depois cita o exemplo de um pai que tem um filho faminto. Todos vós, pais e avós, que estais aqui, quando o filho ou o neto pede algo, quando tem fome e pede com insistência, depois chora, grita, tem fome: «Qual pai entre vós, se o filho lhe pedir um peixe, porventura lhe dará uma serpente?» (v. 11). E todos vós tendes a experiência, quando o filho pede algo, vós dais de comer aquilo que ele pede, para o seu bem.
Com estas palavras Jesus dá a entender que Deus responde sempre, que nenhuma oração deixará de ser ouvida, porquê? Porque Ele é Pai e não se esquece dos seus filhos que sofrem.
Sem dúvida, estas afirmações põem-nos em crise, porque parece que muitas das nossas preces não obtêm resultado algum. Quantas vezes pedimos e não fomos atendidos — todos nós fizemos esta experiência — quantas vezes batemos e encontramos uma porta fechada? Nestes momentos, Jesus recomenda-nos para insistir e não desistir. A oração transforma sempre a realidade, sempre. Se não mudam as coisas ao nosso redor, pelo menos nós mudamos, o nosso coração muda. Jesus prometeu o dom do Espírito Santo a cada homem e a cada mulher que reza.
Podemos estar certos de que Deus responderá. A única incerteza é em relação ao tempo, mas não temos dúvida que Ele responderá. Talvez tenhamos que insistir durante a vida inteira, mas Ele responderá! No-lo prometeu: Ele não é como um pai que dá uma serpente em vez de um peixe. Não há nada de mais certo: um dia realizar-se-á o desejo de felicidade que todos temos no coração. Jesus diz: «Porventura não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que clamam por Ele dia e noite?» (Lc 18, 7). Sim, fará justiça, ouvir-nos-á! Aquele dia será de glória e de ressurreição! Rezar é desde já a vitória sobre a solidão e o desespero. Rezar! A oração muda a realidade, não o esqueçamos. Ou muda as coisas ou transforma o nosso coração, mas muda sempre. Rezar é desde já a vitória sobre a solidão e o desespero. É como ver cada fragmento da criação que fervilha no torpor de uma história da qual por vezes não entendemos o porquê. Mas está em movimento, está a caminho, e no final de cada estrada, o que há no fim do nosso caminho? No fim da oração, no final de um tempo em que estamos a rezar, no fim da vida: o que há? Há um Pai que espera tudo e todos de braços abertos. Olhemos para este Pai!

Catequeses sobre o Pai Nosso: 5 - "Abbà, Pai!"

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!

Prosseguindo as catequeses sobre o “Pai-Nosso”, hoje comecemos pela observação de que, no Novo Testamento, parece que a oração deseja chegar ao essencial, até se concentrar numa única palavra: Aba, Pai!
Ouvimos o que São Paulo escreve na Carta aos Romanos: «Porquanto não recebestes um espírito de escravidão, para viverdes ainda no temor, mas recebestes o espírito de adoção pelo qual clamamos: “Aba! Pai!”» (8, 15). E aos Gálatas, o Apóstolo diz: «A prova de que sois filhos é que Deus enviou aos vossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: “Aba, Pai!’’» (Gl 4, 6). Repete-se duas vezes a mesma invocação, na qual está condensada toda a novidade do Evangelho. Depois de ter conhecido Jesus e ouvido a sua pregação, o cristão já não considera Deus como um tirano que se deve temer, já não tem medo mas sente florescer no seu coração a confiança n’Ele: pode falar com o Criador chamando-o “Pai”! A expressão é tão importante para os cristãos, que muitas vezes se conservou intacta na sua forma originária: “Aba”!
É raro que no Novo Testamento as expressões aramaicas não sejam traduzidas em grego. Devemos imaginar que nestas palavras aramaicas tenha permanecido como que “gravada” a voz do próprio Jesus: respeitaram o idioma de Jesus! Na primeira palavra do “Pai-Nosso” encontramos imediatamente a novidade radical da oração cristã.
Não se trata apenas de usar um símbolo — neste caso, a figura do pai — relacionado com o mistério de Deus; ao contrário, trata-se de ter, por assim dizer, todo o mundo de Jesus derramado no próprio coração. Se realizarmos esta operação, poderemos recitar verdadeiramente o “Pai-Nosso”. Dizer “Aba” é algo muito mais íntimo e mais comovedor do que simplesmente chamar a Deus “Pai”. Eis por que motivo alguém propôs traduzir esta palavra aramaica original, “Aba” com “Papá” ou “Paizinho”. Em vez de dizer “Pai nosso”, dizer “Papá, Paizinho”. Nós continuamos a dizer “Pai nosso”, mas com o coração somos convidados a dizer “Papá”, a ter com Deus um relacionamento como o de uma criança com o seu pai, que diz “papá”, diz “paizinho”. Com efeito, estas expressões evocam afeto e calor, algo que nos projeta no contexto da infância: a imagem de uma criança completamente envolvida pelo abraço de um pai que sente ternura infinita por ela. E por isso, caros irmãos e irmãs, para rezar bem é necessário chegar a ter um coração de criança! Não um coração suficiente: assim não se pode rezar bem. Como uma criança no colo do seu pai, do seu papá, do seu paizinho.
Mas certamente são os Evangelhos que nos introduzem melhor no sentido desta palavra. O que significa para Jesus esta palavra? O “Pai-Nosso” adquire sentido e cor, se aprendermos a recitá-lo depois de ter lido, por exemplo, a parábola do pai misericordioso, no capítulo 15 de Lucas (cf. 15, 11-32). Imaginemos esta prece pronunciada pelo filho pródigo, depois de ter experimentado o abraço do seu pai, que tinha esperado por muito tempo, um pai que não se recorda das palavras ofensivas que ele lhe dirigira, um pai que agora lhe faz entender simplesmente a falta que tinha sentido dele. Assim descobrimos como aquelas palavras adquirem vida e força! E interrogamo-nos: como é possível que Tu, ó Deus, conheças unicamente o amor? Tu não conheces o ódio? Não — Deus responderia — Eu só conheço o amor. Onde se encontram em ti a vingança, a pretensão de justiça, a raiva pela tua honra ferida? E Deus responderia: Eu só conheço o amor!
O pai daquela parábola tem modos de agir que recordam muito o espírito de uma mãe. São sobretudo as mães que perdoam os filhos, que os defendem, que não interrompem a empatia em relação a eles, que continuam a amar, mesmo quando eles já não mereceriam mais nada.
É suficiente evocar esta expressão — Aba — para que se desenvolva uma prece cristã. E nas suas Cartas, São Paulo segue este mesmo caminho, e não poderia ser de outra forma, porque é a vereda ensinada por Jesus: esta invocação contém uma força que atrai o resto da oração.
Deus procura-te, mesmo que tu não o procures. Deus ama-te, ainda que tu o tenhas esquecido. Deus vislumbra em ti uma beleza, não obstante tu penses que desperdiçaste inutilmente todos os teus talentos. Deus é não só um pai, mas é como uma mãe que nunca deixa de amar a sua criatura. Por outro lado, há uma “gestação” que dura para sempre, muito além dos nove meses da gestação física; trata-se de uma gestação que gera um circuito infinito de amor.
Para o cristão, rezar significa dizer simplesmente “Aba”, dizer “Papá”, “Paizinho”, “Pai” mas com a confiança de uma criança.
Pode ser que também a nós aconteça percorrer sendas distantes de Deus, como aconteceu com o filho pródigo; ou então, precipitar numa solidão que nos faz sentir abandonados no mundo; ou ainda, errar e ficar paralisados por um sentido de culpa. Nestes momentos difíceis, ainda podemos encontrar a força para rezar, recomeçando pela palavra “Pai”, mas dita com o sentido terno de uma criança: “Aba”, “Papá”. Ele não nos esconderá o seu rosto. Recordai bem: talvez alguém tenha dentro de si coisas desagradáveis, que não sabe como resolver, tanta amargura por ter feito isto e aquilo... Ele não esconderá a sua face. Ele não se fechará no silêncio. Tu diz-lhe “Pai” e Ele responder-te-á. Tu tens um Pai. “Sim, mas eu sou um delinquente...”. Mas tens um Pai que te ama! Diz-lhe “Pai”, começa a rezar assim e, no silêncio, Ele dir-nos-á que nunca nos perdeu de vista. “Mas Pai, eu fiz isto...” — “Nunca te perdi de vista, vi tudo. Mas permaneci sempre ali, perto de ti, fiel ao meu amor por ti”. Esta será a resposta! Nunca vos esqueçais de dizer: “Pai”. Obrigado!

Catequese sobre o Pai-Nosso - 6 - "Pai de todos nós"

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!

Continuemos o nosso percurso para aprender a rezar cada vez melhor como Jesus nos ensinou. Devemos orar como Ele nos ensinou.
Ele disse: quando rezas, entra no silêncio do teu quarto, retira-te do mundo e dirige-te a Deus chamando-o “Pai!”. Jesus quer que os seus discípulos não sejam como os hipócritas que rezam permanecendo de pé nas praças, para ser admirados pelo povo (cf. Mt 6, 5). Jesus não quer hipocrisia. A verdadeira oração é aquela que se faz no segredo da consciência, do coração: insondável, visível unicamente a Deus. Eu e Deus! Ela evita a falsidade: com Deus, é impossível fingir. É impossível, diante de Deus não há estratagema que possa funcionar, Deus conhece-nos assim, nus na consciência, e não se pode fingir. Na raiz do diálogo com Deus existe um diálogo silencioso, como o cruzamento de olhares entre duas pessoas que se amam: o homem e Deus cruzam os olhares, e isto é oração. Fitar Deus e deixar-se olhar por Deus: isto é rezar. “Mas padre, eu não pronuncio palavras...”. Olha para Deus e deixa-te fitar por Ele: é uma prece, uma bonita oração!
Contudo, não obstante a prece do discípulo seja totalmente confidencial, nunca decai no intimismo. No segredo da consciência, o cristão não deixa o mundo fora da porta do seu quarto, mas traz no coração as pessoas e as situações, os problemas, tantas questões, apresenta-as todas na oração.
Há uma ausência impressionante no texto do “Pai-Nosso”. Se eu vos perguntasse qual é a ausência impressionante no texto do “Pai-Nosso”? Não será fácil responder. Falta uma palavra. Pensai todos: o que falta no “Pai-Nosso”? Pensai, o que falta? Uma palavra. Uma palavra que nos nossos tempos — mas talvez sempre — todos têm em grande consideração. Qual é a palavra que falta no “Pai-Nosso”, que recitamos todos os dias? Para poupar tempo, di-la-ei: falta a palavra “eu”. Nunca se diz “eu”. Jesus ensina a rezar, tendo nos lábios antes de tudo o “Vós”, porque a oração cristã é diálogo: “santificado seja o vosso nome, venha o vosso reino, seja feita a vossa vontade”. Não o meu nome, o meu reino, a minha vontade. Eu não, não funciona. E depois passa para o “nós”. Toda a segunda parte do “Pai-Nosso” é declinada na primeira pessoa do plural: “dai-nos nosso pão de cada dia, perdoai-nos as nossas ofensas, não nos deixeis cair em tentação, livrai-nos do mal”. Até os pedidos mais elementares do homem — como aquele de ter alimento para saciar a fome — são todos no plural. Na prece cristã, ninguém pede o pão para si mesmo: dai-me o pão de cada dia, não, dai-nos, suplica-o para todos, para todos os pobres do mundo. Não podemos esquecer isto, falta a palavra “eu”. Reza-se com o vós e com o nós. É um bom ensinamento de Jesus, não o esqueçais!
Porquê? Porque no diálogo com Deus não há espaço para o individualismo. Não há ostentação dos próprios problemas, como se fôssemos os únicos que sofremos no mundo. Não existe oração elevada a Deus, que não seja a prece de uma comunidade de irmãos e irmãs, o nós: vivemos em comunidade, somos irmãos e irmãs, constituímos um povo que reza, “nós”. Certa vez o capelão de um cárcere fez-me uma pergunta: “Diga-me, padre, qual é o contrário de ‘eu’?”. E eu, ingênuo, disse: “tu”. “Este é o início da guerra. A palavra oposta a ‘eu’ é ‘nós’, onde existe a paz, todos juntos”. Foi um bonito ensinamento que recebi daquele sacerdote.
Na oração, o cristão apresenta todas as dificuldades das pessoas que vivem ao seu lado: quando cai a noite, narra a Deus as dores com as quais se cruzou naquele dia; põe diante d’Ele muitos rostos, amigos e também hostis; não os afasta como distrações perigosas. Se não se der conta de que ao seu redor há tantas pessoas que sofrem, se não sentir pena pelas lágrimas dos pobres, se estiver habituado a tudo, então significa que o seu coração... como é? Murcho? Não, pior: é de pedra. Neste caso é bom suplicar ao Senhor que nos sensibilize com o seu Espírito e enterneça o nosso coração: “Senhor, enternecei o meu coração!”. É uma bonita oração: “Senhor, enternecei o meu coração, a fim de que eu possa entender e responsabilizar-me por todos os problemas, por todas as dores dos outros”. Cristo não passou incólume ao lado das misérias do mundo: cada vez que sentia uma solidão, uma dor do corpo ou do espírito, sentia uma forte compaixão, como as vísceras de uma mãe. Este “sentir compaixão” — não nos esqueçamos desta palavra tão cristã: sentir compaixão — é um dos verbos-chave do Evangelho: é isto que impele o bom samaritano a aproximar-se do homem ferido na beira da estrada, ao contrário dos outros que têm o coração duro.
Podemos interrogar-nos: quando rezo, abro-me ao clamor de tantas pessoas próximas e distantes? Ou então penso na oração como numa espécie de anestesia, para poder estar mais tranquilo? Faço a pergunta, cada um responda a si mesmo. Neste caso eu seria vítima de um equívoco terrível. Sem dúvida, a minha oração deixaria de ser cristã. Porque aquele “nós”, que Jesus nos ensinou, me impede de estar em paz sozinho, e me faz sentir responsável pelos meus irmãos e irmãs.
Existem homens que, aparentemente, não buscam Deus, mas Jesus faz-nos rezar também por eles, porque Deus procura acima de todos estas pessoas. Jesus não veio para os sadios, mas para os doentes, para os pecadores (cf. Lc 5, 31), ou seja, para todos, porque quem pensa que é sadio, na realidade não o é. Se trabalharmos pela justiça, não nos sintamos melhores do que os outros: o Pai faz nascer o seu sol tanto sobre os bons como sobre os maus (cf. Mt  5, 45). O Pai ama todos! Aprendamos de Deus, que é sempre bom para com todos, contrariamente a nós, que só conseguimos ser bons para com alguns, para com alguém que me agrada.
Irmãos e irmãs, santos e pecadores, somos todos irmãos amados pelo mesmo Pai. E, no crepúsculo da vida, seremos julgados sobre o amor, sobre o modo como amamos. Não com um amor apenas sentimental, mas compassivo e concreto, segundo a regra evangélica, não a esqueçais! «Todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes» (Mt 25, 40). Assim diz o Senhor. Obrigado!

Catequese sobre o Pai-Nosso - 7- "Pai Nosso que estais no céu"

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!

A audiência de hoje realiza-se em dois lugares. Primeiro, encontrei-me com os fiéis de Benevento, que estavam em São Pedro, e agora convosco. E isto deve-se à delicadeza da Prefeitura da Casa Pontifícia que não quer que sintais frio: agradeçamos-lhe que pensou nisto. Obrigado.
Prossigamos as catequeses sobre o “Pai-Nosso”. O primeiro passo de cada prece cristã é ingresso num mistério, o da paternidade de Deus. Não se pode rezar como papagaio. Ou entras no mistério, na consciência de que Deus é o teu Pai, ou não rezas. Se eu orar a Deus, meu Pai, entro no mistério. Para compreender em que medida Deus é nosso pai, pensemos nas figuras dos nossos pais, mas devemos sempre até certo ponto “refiná-las”, purificá-las. O próprio Catecismo da Igreja Católica diz: «A purificação do coração tem em vista as imagens paternas ou maternas resultantes da nossa história pessoal e cultural, que influenciam o nosso relacionamento com Deus» (n. 2779).
Nenhum de nós teve pais perfeitos, nenhum: como nós, por nossa vez, nunca seremos pais ou pastores perfeitos. Todos temos defeitos, todos. Vivemos as nossas relações de amor sempre sob o sinal dos nossos limites e também do nosso egoísmo, portanto com frequência são manchadas por desejos de posse ou de manipulação do outro. Por isso às vezes as declarações de amor convertem-se em sentimentos de raiva e de hostilidade. Mas veja, estes dois amavam-se tanto na semana passada, hoje não se suportam: vemos isto todos os dias! É por isso, pois todos temos raízes amargas dentro, que não são boas, e às vezes saem e fazem sofrer.
Eis por que, quando falamos de Deus como “pai”, enquanto pensamos na imagem dos nossos pais, especialmente se nos amaram, ao mesmo tempo devemos ir além. Porque o amor de Deus é o do Pai que “está nos céus”, segundo a expressão que Jesus nos convida a usar: o amor total que nós experimentamos nesta vida só de maneira imperfeita. Os homens e as mulheres são eternamente mendigos de amor — somos mendigos de amor, precisamos de amor — procuram um lugar onde finalmente ser amados, mas não o encontram. Quantas amizades e quantos amores desiludidos há no nosso mundo; muitos!
O deus grego do amor, na mitologia, é em absoluto o mais trágico: não se entende se é um ser angélico ou um demónio. A mitologia diz que é filho de Póros e Pênia, isto é da dissimulação e da pobreza, destinado a ter em si um pouco da fisionomia destes pais. Eis por que podemos pensar na natureza ambivalente do amor humano: capaz de florescer e de viver vigorosamente numa hora do dia, e de repente depois murchar e morrer; o que apanha, escapa-lhe sempre (cf. Platão, O Banquete, 203). Há uma expressão do profeta Oseias que enquadra de maneira impiedosa a fraqueza congênita do nosso amor: «O vosso amor é como a nuvem da manhã, como o orvalho matutino que logo se dissipa» (6, 4). Eis o que muitas vezes é o nosso amor: uma promessa com dificuldade para se manter, uma tentativa que depressa evapora e seca, quase como quando de manhã nasce o sol e enxuga o orvalho da noite.
Quantas vezes, nós homens, amamos desta maneira tão frágil e intermitente. Todos nós tivemos esta experiência: amamos mas depois aquele amor diminuiu ou tornou-se frágil. Desejosos de amar, depois entramos em conflito com os nossos limites, com a pobreza das nossas forças: incapazes de manter uma promessa que nos dias de graça nos parecia fácil de realizar. No fundo também o apóstolo Pedro teve medo e fugiu. O apóstolo Pedro não foi fiel ao amor de Jesus. Há sempre esta fragilidade que nos faz cair. Somos mendigos que no caminho corremos o risco de nunca encontrar completamente aquele tesouro que procuramos desde o primeiro dia da nossa vida: o amor.
Contudo, existe outro amor, o do Pai “que está nos céus”. Ninguém deve duvidar de que é destinatário deste amor. Ele ama-nos. “Ama-me”, podemos dizer. Se até o nosso pai e a nossa mãe não nos tivessem amado — uma hipótese histórica — há um Deus nos céus que nos ama como ninguém nesta terra jamais fez nem poderá fazer. O amor de Deus é constante. Diz o profeta Isaías: «Acaso pode uma mulher esquecer-se do seu bebé, não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela se esquecesse dele, Eu nunca te esqueceria. Eis que Eu gravei a tua imagem na palma das minhas mãos» (49, 15-16). Hoje a tatuagem está na moda: “Eu gravei a tua imagem na palma das minhas mãos”. Fiz uma tatuagem de ti nas minhas mãos. Estou nas mãos de Deus e não a possa cancelar. O amor de Deus é como o amor de uma mãe, que nunca se esquece. E se uma mãe se esquecer? “Eu não me esquecerei”, diz o Senhor. Este é o amor perfeito de Deus, assim somos amados por Ele. Se também todos os nossos amores terrenos se despedaçassem e nas nossas mãos ficasse apenas pó, haverá sempre para todos nós, ardente, o amor único e fiel de Deus.
Na fome de amor que todos sentimos, não procuremos algo que não existe: ela é o convite a conhecer Deus que é pai. A conversão de Santo Agostinho, por exemplo, passou por este cume: o jovem e brilhante reitor buscava simplesmente entre as criaturas algo que nenhuma criatura lhe podia dar, até que um dia teve a coragem de erguer os olhos. E naquele dia conheceu Deus. Deus que ama.
A expressão “nos céus” não exprime distância mas uma diversidade radical de amor, outra dimensão de amor, um amor incansável, um amor que permanecerá para sempre, aliás, que está sempre ao alcance das mãos. É suficiente dizer “Pai nosso que estais nos Céus”, e aquele amor chega.
Portanto, não tenhais medo! Nenhum de nós está sozinho. Se por desventura o teu pai terreno se tiver esquecido de ti e tu sentires rancor contra ele, não te é negada a experiência fundamental da fé cristã: a de saber que és filho muito amado de Deus, e que nada na vida pode cancelar o seu amor apaixonado por ti.

Catequese sobre o Pai-Nosso - 8 - "Santificado seja o vosso nome"

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!

Parece que o inverno está a ir embora e por conseguinte voltamos à praça. Bem-vindos à praça! No nosso percurso de redescoberta da oração do “Pai-Nosso”, hoje aprofundaremos a primeira das suas sete invocações, isto é, «santificado seja o vosso nome».
Os pedidos do “Pai-Nosso” são sete, facilmente divisíveis em dois subgrupos. Os primeiros três têm no centro o “Vós” de Deus Pai; os outros quatro têm no centro o “nós” e as nossas necessidades humanas. Na primeira parte Jesus faz-nos entrar nos seus desejos, todos dirigidos ao Pai: «santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade»; na segunda é Ele que entra em nós e se faz intérprete das nossas necessidades: o pão nosso de cada dia, o perdão dos pecados, o amparo na tentação e a libertação do mal.
Eis a matriz de cada oração cristã — diria de cada prece humana — que é sempre recitada, por um lado, como contemplação de Deus, do seu mistério, da sua beleza e bondade, e por outro, com sincero e corajoso pedido do que nos serve para viver, e viver bem. Deste modo, na sua simplicidade e essencialidade, o “Pai-Nosso” educa quantos o recitam a não multiplicar palavras vãs, porque — como diz o próprio Jesus — «o vosso Pai celeste sabe do que necessitais antes de lho pedirdes» (Mt 6, 8).
Quando falamos com Deus, não o fazemos para revelar a Ele o que temos no coração: Ele conhece-o muito melhor do que nós. Se Deus é um mistério para nós, ao contrário, nós não somos um enigma aos seus olhos (cf. Sl 139, 1-4). Deus é como aquelas mães às quais é suficiente um olhar para compreender tudo dos filhos: se estão contentes ou tristes, se são sinceros ou escondem algo...
Portanto, o primeiro trecho da oração cristã é a entrega de nós mesmos a Deus, à sua providência. É como dizer: “Senhor, vós sabeis tudo, não há necessidade de que eu vos conte a minha dor, peço-vos só que estejais aqui ao meu lado: sois a minha esperança”. É interessante observar que Jesus, no sermão da montanha, imediatamente depois de ter transmitido o texto do “Pai-Nosso”, nos exorta a não nos preocupar nem nos aborrecer pelas situações. Parece uma contradição: primeiro ensina-nos a pedir o nosso pão de cada dia e depois recorda-nos: «Não vos preocupeis, dizendo: “Que comeremos, que beberemos, ou que vestiremos?”» (Mt 6, 31). Mas a contradição é só aparente: os pedidos do cristão exprimem a confiança no Pai: e é precisamente esta confiança que faz com que peçamos aquilo de que precisamos sem afã nem agitação.
Por isso rezamos dizendo: “Santificado seja o vosso nome!”. Neste pedido — o primeiro! “Santificado seja o vosso nome!” — sente-se toda a admiração de Jesus pela beleza e grandeza do Pai, e o desejo de que todos o reconheçam e admirem pelo que deveras é. E ao mesmo tempo há a súplica para que o seu nome seja santificado em nós, na nossa família, na nossa comunidade, no mundo inteiro. É Deus que santifica, que nos transforma com o seu amor, mas, ao mesmo tempo, somos também nós que, com o nosso testemunho, manifestamos a santidade de Deus no mundo, tornando presente o seu nome. Deus é santo mas se nós, se a nossa vida não for santa, haverá uma grande incoerência! A santidade de Deus deve refletir-se nas nossas ações, na nossa vida. “Sou cristão, Deus é santo, mas faço muitas coisas negativas”, não, isto não serve. Isto faz até mal; escandaliza e não ajuda.
A santidade de Deus é uma força em expansão, e nós suplicamos a fim de que ela rompa depressa as barreiras do nosso mundo. Quando Jesus começa a pregar, o primeiro a pagar as consequências disto é precisamente o mal que aflige o mundo. Os espíritos malignos praguejam: «Que tens a ver conosco, Jesus de Nazaré? Vieste para nos arruinar? Sei quem Tu és: o Santo de Deus!» (Mc 1, 24). Nunca se tinha visto uma santidade assim: não preocupada consigo mesma mas inclinada para fora. Uma santidade — a de Jesus — que se alarga em círculos concêntricos, como quando se lança uma pedra num lago. O mal tem os dias contados — o mal não é eterno — o mal não nos pode prejudicar: chegou o homem forte que toma posse da sua casa (cf. Mc 3, 23-27). E este homem forte é Jesus, que dá também a nós a força para tomar posse da nossa casa interior.
A oração afasta qualquer temor. O Pai ama-nos, o Filho ergue os braços apoiando-os aos nossos, o Espírito age em segredo pela redenção do mundo. E nós? Não vacilemos na incerteza. Tenhamos uma grande certeza: Deus ama-me; Jesus doou a vida por mim! O Espírito está dentro de mim. Esta é a grande verdade. E o mal? Tem medo. E isto é bom.

Catequese sobre o Pai-Nosso - 9 - "Venha a nós o vosso Reino"

Amados irmãos e irmãs, bom dia!

Quando rezamos o “Pai-Nosso”, a segunda invocação com a qual nos dirigimos a Deus é «venha a nós o vosso Reino» (Mt 6, 10). Depois de ter rezado para que o seu nome seja santificado, o crente expressa o desejo de que se apresse a vinda do seu Reino. Este desejo brotou, por assim dizer, do próprio coração de Cristo, que deu início à sua pregação na Galileia proclamando: «Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai no Evangelho» (Mc 1, 15). Estas palavras não são minimamente uma ameaça, ao contrário, são um feliz anúncio, uma mensagem de alegria. Jesus não quer forçar as pessoas a converter-se semeando o medo do juízo iminente de Deus ou o sentimento de culpa pelo mal cometido. Jesus não faz proselitismo: simplesmente anuncia. Ao contrário, a que Ele traz é a Boa Nova da salvação, e a partir dela chama a converter-se. Cada um é convidado a acreditar no “evangelho”: o senhorio de Deus tornou-se próximo dos seus filhos. Este é o Evangelho: o senhorio de Deus fez-se próximo dos seus filhos. E Jesus anuncia esta maravilha, esta graça: Deus, o Pai, ama-nos, está próximo de nós e ensina-nos a andar pelo caminho da santidade.
Os sinais da vinda deste Reino são numerosos e todos positivos. Jesus começa o seu ministério cuidando dos doentes, quer no corpo quer no espírito, de quantos viviam uma exclusão social — por exemplo os leprosos — dos pecadores desprezados por todos, até por aqueles que eram mais pecadores do que eles mas se fingiam justos. E como os chama Jesus? “Hipócritas”. O próprio Jesus indica estes sinais, os sinais do Reino de Deus: «Os cegos vêem e os coxos andam, os leprosos ficam limpos e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e a Boa Nova é anunciada aos pobres» (Mt 11, 5).
“Venha a nós o vosso Reino!”, repete com insistência o cristão quando reza o “Pai-Nosso”. Jesus veio; mas o mundo ainda está marcado pelo pecado, povoado por tantas pessoas que sofrem, por pessoas que não se reconciliam nem perdoam, por guerras e muitas formas de exploração, pensemos no tráfico de crianças, por exemplo. Todas estas realidades são a prova de que a vitória de Cristo ainda não se concretizou totalmente: muitos homens e mulheres ainda vivem com o coração fechado. É sobretudo nestas situações que aos lábios do cristão aflora a segunda invocação do “Pai-Nosso”: “venha a nós o vosso Reino!”. Que é como dizer: “Pai, precisamos de Ti! Jesus, precisamos de ti, temos necessidade de que em toda a parte e para sempre Tu sejas o Senhor no meio de nós!”. “Venha a nós o vosso Reino, que tu estejas entre nós”.
Por vezes perguntamo-nos: porque este Reino se realiza tão lentamente? Jesus gosta de falar da sua vitória com a linguagem das parábolas. Por exemplo, diz que o Reino de Deus é semelhante a um campo no qual crescem juntos o trigo e o joio: o pior erro seria querer intervir imediatamente extirpando do mundo aquelas que nos parecem ervas daninhas. Deus não é como nós, Deus tem paciência. Não é com a violência que se instaura o Reino no mundo: o seu estilo de propagação é a mansidão (cf. Mt 13, 24-30).
O Reino de Deus é certamente uma grande força, a maior que existe, mas não segundo os critérios do mundo; por isso parece nunca ter a maioria absoluta. É como o fermento que se mistura com a farinha: aparentemente desaparece, mas é precisamente isso que faz fermentar a massa (cf. Mt 13, 33). Ou então, é como um grão de mostarda, que é tão pequenino, quase invisível, mas tem em si a impetuosa força da natureza, e quando cresce torna-se a maior planta do horto (cf. Mt 13, 31-32). Neste “destino” do Reino de Deus pode-se intuir a trama da vida de Jesus: também Ele foi para os seus contemporâneos um sinal frágil, um evento quase desconhecido pelos historiadores da época. Um «grão de trigo», assim Ele mesmo se definiu, que morre na terra mas só assim pode dar «muito fruto» (cf. Jo 12, 24). O símbolo da semente é eloquente: um dia o camponês lança à terra (um gesto que parece uma sepultura), e depois «quer esteja a dormir, quer se levante, de noite e de dia, a semente germina e cresce, sem ele saber como» (Mc 4, 27). Uma semente que germina é mais obra de Deus do que do homem que semeou (cf. Mc 4, 27). Deus precede-nos sempre, Deus surpreende-nos sempre. Graças a Ele depois da noite da Sexta-feira Santa há uma alvorada de Ressurreição capaz de iluminar de esperança o mundo inteiro.
“Venha a nós o Vosso Reino!”. Semeemos esta palavra no meio dos nossos pecados e das nossas faltas. Ofereçamo-la às pessoas derrotadas e martirizadas pela vida, a quem conheceu mais ódio do que amor, a quem viveu dias inúteis sem nunca compreender porquê. Ofereçamo-la a quantos lutaram pela justiça, a todos os mártires da história, a quem se deu conta que combateu por nada e que neste mundo domina sempre o mal. Ouviremos então que a prece do “Pai-Nosso” responde. Repetirá mais uma vez aquelas palavras de esperança, as mesmas que o Espírito colocou como selo da inteira Sagrada Escritura: “Sim, venho depressa!”: esta é a resposta do Senhor. “Venho depressa”. Amém. E a Igreja do Senhor responde: “Vinde, Senhor Jesus” (cf. Ap 2, 20). “Venha a nós o vosso Reino” é como dizer “Vinde, Senhor Jesus”. E Jesus responde: “Virei depressa”. E Jesus vem, à sua maneira, mas todos os dias. Tenhamos confiança nisto. E quando rezarmos o “Pai-Nosso” digamos sempre: “Venha a nós o vosso Reino”, para sentir no coração: “Sim, sim, venho, e venho depressa”. Obrigado!

Catequese sobre o Pai-Nosso - 10 - "Seja feita a vossa vontade"

Amados irmãos e irmãs, bom dia!

Prosseguindo as nossas catequeses sobre o “Pai-Nosso”, hoje analisamos a terceira invocação: «Seja feita a vossa vontade». Ela deve ser lida em unidade com as primeiras duas — «santificado seja o vosso nome» e «venha a nós o vosso Reino» — de modo que o conjunto forme um tríptico: «santificado seja o vosso nome», venha a nós o vosso Reino», «seja feita a Vossa vontade». Hoje falaremos da terceira.
Antes do cuidado do mundo por parte do homem, há o cuidado incansável que Deus dedica ao homem e ao mundo. O inteiro Evangelho reflete esta inversão de perspectiva. O pecador Zaqueu sobe a uma árvore porque quer ver Jesus, mas não sabe que, muito antes, Deus se tinha posto à sua procura. Jesus, quando chega, diz-lhe: «Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de ficar em tua casa». E no final declara: «pois, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido» (Lc  19, 5.10). Eis a vontade de Deus, aquela que nós pedimos que seja feita. Qual é a vontade de Deus encarnada em Jesus? Procurar e salvar o que está perdido. E nós, na oração, pedimos que a busca de Deus tenha bom êxito, que o seu desígnio universal de salvação se realize, primeiro, em cada um de nós e depois em todo o mundo. Pensastes no que significa que Deus está à minha procura? Cada um de nós pode dizer: “Como, Deus procura-me?” — “Sim!” Procura-te! Procura a mim”: procura cada um de nós, pessoalmente. Deus é grande! Quanto amor há por detrás de tudo isto.
Deus não é ambíguo, não se esconde por detrás de enigmas, não planificou o futuro do mundo de maneira indecifrável. Não, Ele é claro. Se não compreendemos isto, corremos o risco de não compreender o sentido da terceira expressão do “Pai-Nosso”. Com efeito, a Bíblia está cheia de expressões que nos narram a vontade positiva de Deus em relação ao mundo. E no Catecismo da Igreja Católica encontramos uma recolha de citações que testemunham esta vontade divina fiel e paciente (cf. nn. 2821-2827). E São Paulo, na Primeira Carta a Timóteo, escreve: «Deus quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade» (2, 4). Esta é, sem dúvida alguma, a vontade de Deus: a salvação do homem, dos homens, de cada um de nós. Deus bate à porta do nosso coração com o seu amor. Porquê? Para nos atrair; para nos atrair a Ele e nos levar em frente no caminho da salvação. Deus está próximo de nós com o seu amor, para nos levar pela mão à salvação. Quanto amor há por detrás disto!
Por conseguinte, rezando “seja feita a Vossa vontade”, não somos convidados a inclinar servilmente a cabeça, como se fôssemos escravos. Não! Deus quer-nos livres; é o Seu amor que nos liberta. Com efeito, o “Pai-Nosso” é a oração dos filhos, não dos escravos; mas dos filhos que conhecem o coração do seu pai e têm a certeza do seu desígnio de amor. Ai de nós se, pronunciando estas palavras, levantarmos os ombros em sinal de rendição diante de um destino que nos repugna e que não conseguimos mudar. Ao contrário, é uma oração cheia de confiança fervorosa em Deus que quer para nós o bem, a vida, a salvação. Uma oração corajosa, até combativa, pois há no mundo muitas, demasiadas realidades que não são segundo os planos de Deus. Todos as conhecemos. Parafraseando o profeta Isaías, poderíamos dizer: “Aqui, Pai, há a guerra, a prevaricação, a exploração; mas sabemos que Vós quereis o nosso bem, por isso Vos suplicamos; seja feita a Vossa vontade! Senhor, invertei os planos do mundo, transformai as espadas em arados e as lanças em foices; que ninguém se exercite mais para a arte da guerra!” (cf. 2, 4). Deus deseja a paz.
O “Pai-Nosso” é uma oração que acende em nós o mesmo amor de Jesus por vontade do Pai, uma chama que estimula a transformar o mundo com o amor. O cristão não acredita num “fato” incontornável. Nada há de incerto na fé dos cristãos: ao contrário, há a salvação que aguarda para se manifestar na vida de cada homem e mulher e para se cumprir na eternidade. Se rezamos é por que acreditamos que Deus pode e quer transformar a realidade vencendo o mal com o bem. A este Deus tem sentido obedecer e abandonar-se até no momento da provação mais difícil.
Foi assim para Jesus no jardim do Getsemani, quando experimentou a angústia e rezou: «Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, mas a tua» (Lc 22, 42). Jesus está oprimido pelo mal do mundo, mas abandona-se confiante no oceano do amor à vontade do Pai. Também os mártires, na sua provação, não procuravam a morte, procuravam o pós-morte, a ressurreição. Deus, por amor, pode levar-nos a caminhar por veredas difíceis, a experimentar feridas e espinhos dolorosos, mas nunca nos abandona. Estará sempre conosco, ao nosso lado, dentro de nós. Para um crente esta é, mais do que uma esperança, uma certeza. Deus está comigo. A mesma que encontramos naquela parábola do Evangelho de Lucas dedicada à necessidade de rezar sempre. Jesus diz: «E Deus não fará justiça aos seus eleitos, que a Ele clamam dia e noite, e há-de fazê-los esperar? Eu vos digo que lhes vai fazer justiça prontamente» (18, 7-8). Assim é o Senhor, é deste modo que ele nos ama, que gosta de nós. Mas eu sinto vontade de vos convidar, agora, todos juntos a rezar o Pai-Nosso. E quantos de vós não souberem o italiano, rezai-o na vossa língua. Rezemos juntos.

Catequese sobre o Pai-Nosso - 11 «O pão nosso de cada dia nos dai hoje»

Amados irmãos e irmãs, bom dia!

Hoje passamos a analisar a segunda parte do “Pai-Nosso”, aquela na qual apresentamos a Deus as nossas necessidades. Esta segunda parte começa com uma palavra que perfuma de dia a dia: o pão.
A oração de Jesus parte de uma pergunta impelente, que é muito semelhante à imploração de um mendigo: “O pão nosso de cada dia nos dai hoje!”. Esta oração provém de uma evidência que muitas vezes esquecemos, ou seja, que não somos criaturas autossuficientes, e que todos os dias precisamos de nos alimentar.
As Escrituras mostram-nos que para muitas pessoas o encontro com Jesus se realizou a partir de uma pergunta. Jesus não pede invocações requintadas, aliás, toda a existência humana, com os seus problemas mais concretos e diários, se pode tornar prece. Nos Evangelhos encontramos uma multidão de mendigos que suplicam libertação e salvação. Há quem pede o pão, quem a cura; alguns a purificação, outros a vista; ou que uma pessoa querida possa reviver... Jesus nunca fica indiferente face a estes pedidos e padecimentos.
Por conseguinte, Jesus ensina a pedir ao Pai o pão de cada dia. E ensina-nos a fazê-lo juntamente com muitos homens e mulheres para os quais esta prece é um grito — muitas vezes abafado — que acompanha a ansiedade de todos os dias. Quantas mães e quantos pais, ainda hoje, vão dormir com o tormento de não ter no dia seguinte o pão suficiente para os próprios filhos! Imaginemos esta oração recitada não na segurança de um apartamento confortável, mas na precariedade de um ambiente ao qual se adapta, onde falta o necessário para viver. As palavras de Jesus assumem uma força nova. A oração cristã começa por este nível. Não é um exercício para ascetas; parte da realidade, do coração e da carne de pessoas que vivem em necessidade, ou que partilham a condição de quem não dispõe do necessário para viver. Nem sequer os místicos cristãos mais elevados podem prescindir da simplicidade deste pedido. “Pai, faz com que para nós e para todos, hoje, haja o pão necessário”. E “pão” significa água, medicamentos, casa, trabalho... Pedir o necessário para viver.
O pão que o cristão pede na oração não é o “meu” pão mas o “nosso”. Assim quer Jesus. Ensina-nos a pedi-lo não só para nós mesmos, mas para a inteira fraternidade do mundo. Se não se rezar deste modo, o “Pai-Nosso” deixa de ser uma oração cristã. Se Deus é o nosso Pai, como nos podemos apresentar a Ele sem nos darmos a mão? Todos nós. E se roubarmos uns aos outros o pão que Ele nos concede, como podemos dizer que somos seus filhos? Esta prece contém uma atitude de empatia, uma atitude de solidariedade. Na minha fome sinto a fome das multidões, e então rezarei a Deus enquanto o pedido delas não for ouvido. Assim Jesus educa a sua comunidade, a sua Igreja, a apresentar a Deus as necessidades de todos: “Todos somos Vossos filhos, tende piedade de nós!”. E agora far-nos-á bem pensar por alguns momentos nas crianças famintas. Pensemos nas crianças que vivem em países em guerra: nas crianças famintas do Iémen, nas crianças famintas na Síria, nas crianças famintas em muitos países onde não há pão, no Sudão do Sul. Pensemos nestas crianças e pensando nelas recitemos juntos, em voz alta, a prece: “Pai, o pão nosso de cada dia nos dai hoje”. Todos juntos.
O pão que pedimos ao Senhor na oração é o mesmo que um dia nos acusará. Repreender-nos-á o pouco hábito de o repartir com quem está próximo, o pouco hábito de o repartir. Era um pão oferecido à humanidade, e ao contrário foi comido só por alguns: o amor não pode suportar isto. O nosso amor não o pode suportar; nem sequer o amor de Deus pode suportar este egoísmo de não repartir o pão.
Certa vez havia uma grande multidão diante de Jesus; eram pessoas que tinham fome. Jesus perguntou se havia entre eles quem tivesse alguma coisa, e viu que só uma criança estava disposta a partilhar aquilo de que dispunha: cinco pães e dois peixes. Jesus multiplicou aquele gesto generoso (cf. Jo 6, 9). Aquele menino tinha compreendido a lição do “Pai-Nosso”: que os alimentos não são propriedade individual — convençamo-nos disto: os alimentos não são propriedade individual — mas providência a partilhar, com a graça de Deus.
O verdadeiro milagre realizado por Jesus naquele dia não foi tanto a multiplicação — que foi verdadeira — mas a partilha: dai-me o que tendes e eu farei o milagre. Ele mesmo, multiplicando aquele pão oferecido, antecipou a oferenda de Si no Pão eucarístico. Com efeito, só a Eucaristia é capaz de saciar a fome de infinito e o desejo de Deus que anima cada homem, até na busca do pão de cada dia.

Catequese sobre o Pai-Nosso - 12 «Perdoai-nos os nossos pecados assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido».

Amados irmãos e irmãs, bom dia!

O dia não é muito agradável, mas não obstante bom dia!
Depois de ter pedido a Deus o pão de cada dia, a prece do “Pai-Nosso” entra no campo das nossas relações com os demais. E Jesus ensina-nos a pedir ao Pai: «Perdoai-nos os nossos pecados assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido» (Mt 6, 12). Assim como precisamos do pão, também precisamos do perdão. E isto, todos os dias.
O cristão que reza, antes de tudo, pede a Deus que sejam perdoados os seus pecados, ou seja, as suas faltas, as más ações que comete. Esta é a primeira verdade de cada oração: fôssemos até pessoas perfeitas, fôssemos até santos cristalinos que nunca se desviam de uma vida de bem, permanecemos sempre filhos que devem tudo ao Pai. Qual é a atitude mais perigosa de cada vida cristã? É o orgulho. É a atitude de quem se coloca diante de Deus pensando que tem sempre as contas em ordem com Ele: o orgulhoso pensa que está tudo bem consigo. Como o fariseu da parábola, que no templo pensa que reza mas na realidade louva-se a si mesmo diante de Deus: “Agradeço-te, Senhor, porque eu não sou como os outros”. E as pessoas que se sentem perfeitas, que criticam os outros, são pessoas orgulhosas. Ninguém é perfeito, ninguém. Ao contrário o publicano, que estava atrás, no templo, um pecador desprezado por todos, para no limiar do templo, e não se sente digno de entrar e recomenda-se à misericórdia de Deus. E Jesus comenta: «Este voltou justificado para sua casa» (Lc 18, 14), ou seja, perdoado, salvo. Porquê? Porque não era orgulhoso, porque reconhecia os seus limites e os seus pecados.
Há pecados que se veem e pecados que não se veem. Há pecados evidentes que fazem barulho, mas há também pecados súbtos, que se escondem no coração sem que nem sequer nos apercebamos. O pior deles é a soberba que pode contagiar também pessoas que vivem uma vida religiosa intensa. Havia outrora um convento de religiosas, no ano 1600-1700, famoso, no tempo do jansenismo: eram perfeitíssimas e dizia-se que eram puríssimas como os anjos, mas soberbas como os demônios. E isto é mau. O pecado divide a fraternidade, o pecado faz-nos presumir que somos melhores que os outros, o pecado faz-nos crer que somos semelhantes a Deus.
Mas ao contrário, diante de Deus somos todos pecadores e temos motivos para bater a mão no peito — todos! — como aquele publicano no templo. São João, na sua primeira Carta, escreve: «Se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós» (1 Jo 1, 8). Se quiseres enganar-te a ti mesmo, diz que não pecaste: assim estás a enganar-te.
Somos devedores, antes de tudo, porque nesta vida recebemos tanto: a existência, um pai e uma mãe, a amizade, as maravilhas da criação... Mesmo se acontece a todos ter dias difíceis, devemos recordar-nos sempre que a vida é uma graça, é o milagre que Deus tirou do nada.
Em segundo lugar somos devedores porque, mesmo se conseguimos amar, nenhum de nós é capaz de o fazer unicamente com as suas forças. O amor verdadeiro é quando podemos amar, mas com a graça de Deus. Nenhum de nós brilha de luz própria. Há aquilo a que os teólogos antigos chamavam um “mysterium lunae” não só na identidade da Igreja, mas também na história de cada um de nós. O que significa este “mysterium lunae”? Que é como a lua, que não tem luz própria: reflete a luz do sol. Também nós, não temos luz própria: a luz que temos é um reflexo da graça de Deus, da luz de Deus. Se amares é porque alguém, ao teu redor, te sorriu quando eras uma criança, ensinando-te a responder com um sorriso. Se amas é porque alguém ao teu lado te despertou para o amor, fazendo-te compreender que nele reside o sentido da existência.
Procuremos ouvir a história de alguma pessoa que errou: um preso, um condenado, um drogado... conhecemos tantas pessoas que erram na vida. À exceção da responsabilidade, que é sempre pessoal, algumas vezes podemos perguntar quem deve ser culpado pelos seus erros, se unicamente a sua consciência, ou a história de ódio e de abandono que alguém carrega consigo.
E isto é o mistério da lua: amemos antes de tudo porque fomos amados, perdoemos porque fomos perdoados. E se alguém não foi iluminado pela luz do sol, torna-se gélido como o terreno no inverno.
Como não reconhecer, na corrente de amor que nos precede, também a presença providencial do amor de Deus? Nenhum de nós ama Deus quanto Ele nos amou. É suficiente pôr-se diante de um crucifixo para compreender a desproporção: Ele amou-nos e ama-nos sempre primeiro.
Portanto rezemos: Senhor, até o mais santo no meio de nós não deixa de ser teu devedor. Ó Pai, tem piedade de todos nós!

Catequese sobre o "Pai Nosso": 13 - "Como nós perdoamos a quem nos tenha ofendido"

Amados irmãos e irmãs, bom dia!

Hoje completamos a catequese sobre o quinto pedido do “Pai-Nosso”, analisando a expressão «assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido» (Mt 6, 12). Vimos que é próprio do homem ser devedor diante de Deus: d’Ele recebemos tudo, em termos de natureza e de graça. A nossa vida não só foi querida, mas foi amada por Deus. Deveras não há espaço para a presunção quando juntamos as mãos para rezar. Não existem na Igreja “self made man”, homens que se fizeram sozinhos. Todos somos devedores para com Deus e para com tantas pessoas que nos proporcionaram condições de vida favoráveis. A nossa identidade constrói-se a partir do bem recebido. O primeiro é a vida.
Quem reza aprende a dizer “obrigado”. E nós muitas vezes esquecemo-nos de dizer “obrigado”, somos egoístas. Quem reza aprende a dizer “obrigado” e pede a Deus para ser benévolo com o próximo. Por muito que nos esforcemos, permanece sempre uma dívida impagável diante de Deus, que nunca poderemos restituir: Ele ama-nos infinitamente mais de quanto nós o amamos. E depois, por muito que nos empenhemos para viver segundo os ensinamentos cristãos, na nossa vida haverá sempre alguma coisa da qual pedir perdão: pensemos nos dias passados na preguiça, nos momentos em que o rancor invadiu o nosso coração e assim por diante... São estas experiências, infelizmente não raras, que nos fazem implorar: “Senhor, Pai, perdoai-nos os nossos pecados”. Deste modo pedimos perdão a Deus.
Pensando bem, a invocação podia até limitar-se a esta primeira parte; teria sido bela. Ao contrário Jesus liquida-a com uma segunda expressão que é um todo com a primeira. A relação de benevolência vertical por parte de Deus desvia-se e é chamada a traduzir-se numa relação nova que vivemos com os nossos irmãos: uma relação horizontal. O Deus bom convida-nos a sermos todos bondosos. As duas partes da invocação ligam-se com uma conjunção impiedosa: pedimos ao Senhor que perdoe os nossos pecados, as nossas faltas, “como” nós perdoamos aos nossos amigos, às pessoas que vivem conosco, aos nossos vizinhos, a quem nos fez alguma coisa desagradável.
Cada cristão sabe que existe para ele o perdão dos pecados, isto todos o sabemos: Deus perdoa tudo e perdoa sempre. Quando Jesus conta aos seus discípulos o rosto de Deus, esboça-o com expressões de terna misericórdia. Diz que há mais alegria no céu por um pecador que se arrepende, do que por uma multidão de justos que não precisam de conversão (cf. Lc 15, 7-10). Nos Evangelhos nada deixa suspeitar que Deus não perdoa os pecados de quem está bem disposto e pede para ser reabraçado.
Mas a graça de Deus, tão abundante, é sempre exigente. Quem recebeu muito deve aprender a dar muito e a não reter só para si aquilo que recebeu. Quem recebeu muito deve aprender a dar muito. Não é ocasional que o Evangelho de Mateus, logo depois de ter oferecido o texto do “Pai-Nosso”, entre as sete expressões usadas frise precisamente a do perdão fraterno: «Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará a vós. Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai não vos perdoará as vossas» (Mt 6, 14-15). Mas isto é forte! Eu penso: algumas vezes ouvi quem disse: “Nunca perdoarei aquela pessoa! Nunca perdoarei o que me fez!”. Mas se tu não perdoares, Deus nunca te perdoará. Fechas a porta. Pensemos se nós somos capazes de perdoar ou se não perdoamos. Um sacerdote, quando eu estava na outra diocese, contou-me angustiado que tinha ido conferir os últimos sacramentos a uma idosa que estava em ponto de morte. A pobre senhora não conseguia falar. E o sacerdote disse: “Senhora, arrepende-se dos pecados?”. A senhora acenou que sim; não os podia confessar mas acenou que sim. É suficiente. E depois ainda: “A senhora perdoa os demais?”. E a senhora, em ponto de morte acenou que não. O sacerdote ficou angustiado. Se tu não perdoares, Deus não te perdoará. Pensemos se nós cristãos, aqui, perdoamos, se somos capazes de perdoar. “Padre, eu não consigo, porque aquela gente fez-me tantas”. “Mas se tu não conseguires, pede ao Senhor que te conceda a força para conseguires: Senhor, ajuda-me a perdoar. Encontramos aqui a ligação entre o amor a Deus e o amor ao próximo. Amor chama amor, perdão chama perdão. Ainda em Mateus encontramos outra parábola muito intensa dedicada ao perdão fraterno (cf. 18, 21-35). Ouçamo-la.
Havia um servo que tinha contraído uma dívida enorme com o seu rei: dez mil talentos! Uma quantia impossível de restituir; não sei quanto seria hoje, mas centenas de milhões. Mas aconteceu o milagre, e aquele servo não obtém um prazo mais longo para pagar, mas o perdão total. Uma graça inesperada! Mas eis que precisamente aquele servo, logo a seguir, se volta contra um seu irmão que lhe deve cem denários — pouca coisa — e, mesmo sendo esta uma quantia acessível, não aceita desculpas nem súplicas. Por isso, no final, o dono chama-o e condena-o. Pois se não te esforças por perdoar, não serás perdoado; se não te esforças por amar, também não serás amado.
Jesus insere nas relações humanas a força do perdão. Na vida nem tudo se resolve com a justiça. Não. Sobretudo onde se deve pôr um limite ao mal, alguém tem que amar além do devido, para recomeçar uma história de graça. O mal conhece as suas vinganças, e se ele não for interrompido corre o risco de se alastrar sufocando o mundo inteiro.
Jesus substitui a lei de talião — o que me fizeste, eu restituo-te — com a lei do amor: aquilo que Deus fez a mim, eu restituo-o a ti! Pensemos hoje, nesta semana de Páscoa tão bonita, se eu sou capaz de perdoar. E se não me sentir capaz, devo pedir ao Senhor que me conceda a graça de perdoar, pois saber perdoar é uma graça.
Deus concede a cada cristão a graça de escrever uma história de bem na vida dos seus irmãos, especialmente daqueles que fizeram algo desagradável e errado. Com uma palavra, um abraço, um sorriso, podemos transmitir aos outros aquilo que recebemos de mais precioso. Qual é a coisa preciosa que recebemos? O perdão, que devemos ser capazes de dar também aos demais.

Catequese sobre o "Pai Nosso”: 14 - "Não nos deixeis cair em tentação"

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Prosseguimos a catequese sobre o “Pai-Nosso”, chegando hoje à penúltima invocação: «Não nos abandones à tentação» [versão em italiano]. Outra versão diz: «Não nos deixeis cair em tentação» (Mt  6, 13). O “Pai-Nosso” começa de maneira serena: faz-nos desejar que o grande projeto de Deus se possa realizar no meio de nós. Depois lança um olhar à vida, e faz-nos pedir aquilo de que precisamos todos os dias: o “pão de cada dia”. Em seguida, a oração concentra-se nas nossas relações interpessoais, muitas vezes poluídas pelo egoísmo: pedimos o perdão e comprometemo-nos a concedê-lo. Mas é com esta última invocação que o nosso diálogo com o Pai celeste entra, por assim dizer, vai ao cerne do drama, ou seja, ao âmbito do confronto entre a nossa liberdade e as ciladas do maligno.
Como se sabe, a expressão original grega contida nos Evangelhos é difícil de traduzir de maneira exata, e todas as traduções modernas são um pouco imprecisas. Mas sobre um elemento podemos convergir de maneira unânime: seja qual for a interpretação do texto, devemos excluir que é Deus o protagonista das tentações que ameaçam o caminho do homem. Como se Deus estivesse emboscado para armar ciladas e armadilhas aos seus filhos. Uma interpretação deste gênero antes de tudo está em contraste com o próprio texto, e longe da imagem de Deus que Jesus nos revelou. Não esqueçamos: o “Pai-Nosso” começa com “Pai”. E um pai não arma ciladas aos filhos. Os cristãos não têm que lidar com um Deus invejoso, em competição com o homem, ou que se diverte a pô-lo à prova. Estas são as imagens de tantas divindades pagãs. Lemos na Carta de Tiago apóstolo: «Ninguém diga, quando for tentado pelo mal: “É Deus que me tenta”. Porque Deus não é tentado pelo mal, nem tenta ninguém» (1, 13). No máximo é o contrário: o Pai não é o autor do mal, a nenhum filho que pede um peixe ele dá uma serpente (cf. Lc 11, 11) — como ensina Jesus — e quando o mal se insinua na vida do homem, combate ao seu lado, para que possa ser libertado. Um Deus que combate sempre por nós, não contra nós. É o Pai! É neste sentido que rezamos o “Pai-Nosso”.
Estes dois momentos — a prova e a tentação — estiveram misteriosamente presentes na vida de Jesus. Nesta experiência o Filho de Deus fez-se completamente nosso irmão, duma maneira que chega quase ao escândalo. E são precisamente estes excertos evangélicos que nos demonstram que as invocações mais difíceis do “Pai-Nosso”, aquelas que encerram o texto, já foram ouvidas: Deus não nos deixou sozinhos, mas em Jesus Ele manifesta-se como o “Deus-conosco” até às extremas consequências. Está conosco quando nos dá a vida, está conosco durante a vida, está conosco na alegria, está conosco nas provações, está conosco nas tristezas, está conosco nas derrotas, quando pecamos, mas está sempre conosco, porque é Pai e não nos pode abandonar.
Se formos tentados a praticar o mal, negando a fraternidade com os outros e desejando um poder absoluto sobre tudo e sobre todos, Jesus já combateu por nós esta tentação: confirmam-no as primeiras páginas dos Evangelhos. Logo depois de ter recebido o batismo pelas mãos de João, no meio da multidão dos pecadores, Jesus retira-se no deserto e é tentado por Satanás. Começa assim a vida pública de Jesus, com as tentações que vêm de Satanás. Satanás estava presente. Muitas pessoas dizem: “mas por que falar do diabo que é uma coisa antiga? O diabo não existe”. Repara no que te ensina o Evangelho: Jesus confrontou-se com o diabo, foi tentado por Satanás. Mas Jesus afasta qualquer tentação e sai vitorioso. O Evangelho de Mateus tem um aspeto interessante que encerra o duelo entre Jesus e o Inimigo: «Então, o diabo deixou-o e chegaram os anjos e serviram-no» (4, 11).
Mas também no tempo da provação suprema Deus não nos deixa sozinhos. Quando Jesus se retira para rezar no Getsemani, o seu coração é invadido por uma angústia indescritível — assim diz aos discípulos — e Ele experimenta a solidão e o abandono. Sozinho, com a responsabilidade de todos os pecados do mundo sobre os ombros; sozinho, com uma angústia inenarrável. A provação é tão dilacerante que acontece algo inesperado. Jesus nunca mendiga amor para si mesmo, contudo naquela noite sente a sua alma triste até à morte, e então pede a proximidade dos seus amigos: «ficai aqui e vigiai comigo» (Mt 26, 38). Como sabemos, os discípulos, sobrecarregados por um entorpecimento causado pelo medo, adormeceram. No tempo da agonia, Deus pede ao homem que não o abandone, e ao contrário o homem dorme. No tempo em que o homem conhece a sua provação, Deus vigia. Nos momentos mais difíceis da nossa vida, nos momentos de mais sofrimento, nos momentos mais angustiantes, Deus vigia conosco, Deus luta conosco, está sempre próximo de nós. Porquê? Porque é Pai. Começamos assim a oração: “Pai-Nosso”. E um pai não abandona os seus filhos. Aquela noite de dor e de luta são para Jesus o último selo da Encarnação: Deus desce para se encontrar conosco nos nossos abismos e nas aflições que constelam a história.
É o nosso conforto na hora da provação: saber que aquele vale, desde quando Jesus o atravessou, já não está desolado, mas está abençoado pela presença do Filho de Deus. Ele nunca nos abandonará!
Por conseguinte, ó Deus, afasta de nós o tempo da provação e da tentação. Mas quando chegar para nós este tempo, Pai nosso, mostra-nos que não estamos sozinhos. Tu és o Pai. Mostra-nos que Cristo já carregou sobre si também o peso daquela cruz. Mostra-nos que Jesus nos chama a carregá-la com Ele, abandonando-nos confiantes ao teu amor de Pai. Obrigado.

Catequese sobre o "Pai Nosso”: 15 - "Livrai-nos do mal"

Amados irmãos e irmãs, bom dia!

E eis que chegamos ao sétimo pedido do “Pai-Nosso”: «Livrai-nos do mal» (Mt 6, 13b).
Com esta expressão, quem reza não só pede para não ser abandonado no tempo da tentação, mas suplica também para ser libertado do mal. O verbo grego original é muito forte: evoca a presença do maligno que tende a agarrar-nos e a morder-nos (cf. 1 Pd 5, 8) e do qual se pede a Deus a libertação. O apóstolo Pedro diz também que o maligno, o diabo, está à nossa volta como um leão furioso, para nos devorar, e nós pedimos a Deus que nos liberte.
Com esta dúplice súplica “não nos deixeis cair em tentação” e “livrai-nos”, sobressai uma característica essencial da oração cristã. Jesus ensina aos seus amigos a colocar a invocação do Pai diante de tudo, até e sobretudo nos momentos nos quais o maligno faz sentir a sua presença ameaçadora. Com efeito, a oração cristã não fecha os olhos sobre a vida. É uma prece filial e não uma oração infantil. Não está encantada pela paternidade de Deus, a ponto de esquecer que o caminho do homem está cheio de dificuldades. Se não houvesse os últimos versos do “Pai-Nosso” como poderiam rezar os pecadores, os perseguidos, os desesperados, os moribundos? A última petição é precisamente o nosso pedido quando estivermos no limite, sempre.
Há um mal na nossa vida, que é uma presença incontestável. Os livros de história são o desolador catálogo de quanto a nossa existência neste mundo tem sido uma aventura muitas vezes fracassada. Há um mal misterioso, que certamente não é obra de Deus mas que penetra silenciosamente nas dobras da história. Silencioso como a serpente que leva o veneno sorrateiramente. Nalguns momentos parece que domina: em certos dias a sua presença parece até mais nítida do que a da misericórdia de Deus.
O orante não é cego, e vê claramente diante de si este mal tão pesado, e em contradição com o próprio mistério de Deus. Divisa-o na natureza, na história, até no seu coração. Pois não há ninguém entre nós que possa dizer que está livre do mal, ou que não se sente pelo menos tentado. Todos nós sabemos o que é o mal; todos sabemos o que é a tentação; todos experimentamos na nossa pele a tentação, de qualquer pecado. Mas é o tentador que nos move e nos leva ao mal, dizendo-nos: “faz isto, pensa isto, vai por aquele caminho”.
O último brado do “Pai-Nosso” é lançado contra este mal “com orlas amplas”, que mantém debaixo do seu guarda-chuva as experiências mais diversas: os lutos do homem, o sofrimento inocente, a escravidão, a instrumentalização do outro, o pranto das crianças inocentes. Todos estes eventos protestam no coração do homem e tornam-se voz na última palavra da oração de Jesus.
É precisamente nas narrações da Paixão que algumas expressões do “Pai-Nosso” encontram o seu eco mais impressionante. Jesus diz: «Abbá, Pai, tudo te é possível; afasta de mim este cálice! Mas não se faça o que Eu quero, e sim o que Tu queres» (Mc 14, 36). Jesus experimenta totalmente o trespasse do mal. Não só a morte, mas a morte de cruz. Não só a solidão, mas também o desprezo, a humilhação. Não só a má vontade mas também a crueldade, a perseguição contra Ele. Eis o que é o homem: um ser devotado à vida, que sonha o amor e o bem, mas que depois se expõe continuamente ao mal, a si mesmo e aos seus semelhantes, a ponto que podemos ser tentados a perder a esperança no homem.
Queridos irmãos e irmãs, assim o “Pai-Nosso” assemelha-se a uma sinfonia que pede para ser realizada em cada um de nós. O cristão sabe quanto é tentador o poder do mal, e ao mesmo tempo experimenta como Jesus, que nunca cedeu às suas lisonjas, está da nossa parte e vem em nossa ajuda.
Assim a oração de Jesus deixa-nos a herança mais preciosa: a presença do Filho de Deus que nos libertou do mal, lutando para o converter. Na hora do combate final, ordena a Pedro que enfie a espada na bainha, garante ao ladrão arrependido o paraíso, a todos os homens que estavam à sua volta, inconscientes da tragédia que estava a ser consumada, oferece uma palavra de paz: «Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem» (Lc 23, 34).
Do perdão de Jesus na cruz jorra a paz, a verdadeira paz vem da cruz: é dom do Ressuscitado, um dom que Jesus nos concede. Pensai que a primeira saudação de Jesus ressuscitado é “a paz esteja convosco”, a paz nas vossas almas, nos vossos corações, nas vossas vidas. O Senhor concede-nos a paz, dá-nos o perdão mas nós devemos pedir: “livrai-nos do mal”, para não cair no mal. Esta é a nossa esperança, a força que Jesus ressuscitado nos concede, que está aqui, no meio de nós: está aqui. Está aqui com aquela força que nos concede para irmos em frente, e promete que nos liberta do mal.

Catequese sobre o "Pai Nosso”: 16 - "Onde quer que estiveres, invoque o Pai"

Amados irmãos e irmãs, bom dia!

Hoje concluímos o ciclo de catequeses sobre o “Pai-Nosso”. Podemos dizer que a oração cristã nasce da audácia de chamar Deus com o nome de “Pai”. Esta é a raiz da oração cristã: dizer “Pai” a Deus. Mas é preciso coragem! Não se trata tanto de uma fórmula, quanto de uma intimidade filial na qual somos introduzidos por graça: Jesus é o revelador do Pai e doa-nos a familiaridade com Ele. «Não nos deixa uma fórmula para ser repetida maquinalmente. Como em toda a oração vocal, é pela Palavra de Deus que o Espírito Santo ensina os filhos de Deus a orar ao seu Pai» (Catecismo da Igreja Católica, 2766). O próprio Jesus usou diversas expressões para rezar ao Pai. Se lermos com atenção os Evangelhos, descobrimos que estas expressões de oração que afloram aos lábios de Jesus evocam o texto do “Pai-Nosso”.
Por exemplo, na noite do Getsémani Jesus reza deste modo: «Abbá, Pai, tudo te é possível; afasta de mim este cálice! Mas não se faça o que Eu quero, e sim o que Tu queres» (Mc 14, 36). Já recordamos este texto do Evangelho de Marcos. Como não deixar de reconhecer nesta prece, mesmo sendo breve, um vestígio do “Pai-Nosso”? No meio das trevas, Jesus invoca Deus com o nome de “Abbá”, com confiança filial e, mesmo sentindo medo e angústia, pede que se cumpra a sua vontade.
Noutros trechos do Evangelho Jesus insiste com os seus discípulos, para que cultivem um espírito de oração. A prece deve ser insistente, e sobretudo deve incluir a recordação dos irmãos, sobretudo quando vivem relações difíceis com eles. Jesus diz: «Quando vos levantais para orar, se tiverdes alguma coisa contra alguém, perdoai-lhe primeiro, para que o vosso Pai que está no céu vos perdoe também as vossas ofensas» (Mc 11, 24-25). Como não reconhecer nestas expressões a concordância com o “Pai-Nosso”? E os exemplos poderiam ser numerosos, também para nós.
Nos escritos de São Paulo não encontramos o texto do “Pai-Nosso”, mas a sua presença emerge naquela síntese maravilhosa na qual a invocação do cristão se condensa numa só palavra: “Abbá!” (cf. Rm 8, 15; Gl 4, 6).
No Evangelho de Lucas, Jesus satisfaz plenamente o pedido dos discípulos que, vendo muitas vezes que Ele se afasta e se imerge na oração, um dia decidem-se a pedir-lhe: «Senhor, ensina-nos a orar, como João — o Batista — também ensinou os seus discípulos» (11, 1). E então o Mestre ensinou-lhes a oração ao Pai.
Considerando o Novo Testamento no seu conjunto, vê-se claramente que o primeiro protagonista de cada oração cristã é o Espírito Santo. Mas não esqueçamos isto: protagonista de cada oração cristã é o Espírito Santo. Nós nunca poderíamos rezar sem a força do Espírito Santo. É Ele que reza em nós e nos move a rezar bem. Podemos pedir ao Espírito que nos ensine a rezar, pois ele é o protagonista, aquele que faz a verdadeira oração em nós. Ele sopra no coração de cada um de nós, que somos discípulos de Jesus. O Espírito torna-nos capazes de rezar como filhos de Deus, como realmente somos mediante o Batismo. O Espírito faz-nos rezar no “sulco” que Jesus escavou para nós. Este é o mistério da oração cristã: por graça somos atraídos naquele diálogo de amor da Santíssima Trindade.
Jesus rezava assim. Algumas vezes usou expressões que certamente estão muito distantes do texto do “Pai-Nosso”. Pensemos nas palavras iniciais do salmo 22, que Jesus pronuncia na cruz: «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?» (Mt 27, 46). Pode o Pai celeste abandonar o seu Filho? Claro que não. Contudo o amor por nós, pecadores, levou Jesus até este ponto: até experimentar o abandono de Deus, a sua distância, pois assumiu sobre si todos os nossos pecados. Mas também no grito angustiado, permanece o «meu Deus, meu Deus». Naquele “meu” está o núcleo da relação com o Pai, está o fulcro da fé e da oração.
Eis por que, a partir deste fulcro, um cristão pode rezar em qualquer situação. Pode assumir todas as orações da Bíblia, especialmente dos Salmos; mas pode rezar também com tantas expressões que em milênios de história brotaram do coração dos homens. E ao Pai nunca deixemos de falar dos nossos irmãos e irmãs em humanidade, para que nenhum deles, sobretudo os pobres, permaneça sem uma consolação nem uma porção de amor.
No final desta catequese, podemos repetir aquela oração de Jesus: «Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos» (Lc 10, 21). Para rezar devemos fazer-nos pequeninos, para que o Espírito Santo venha em nós e seja Ele quem nos guia na oração.

fonte: Vaticano




Nenhum comentário:

Postar um comentário