O SENHOR TE CHAMA


"Gostaria de dizer àqueles e àquelas que se sentem longe de Deus e da Igreja, aos que têm medo ou aos indiferentes:
O Senhor também te chama para seres parte do seu povo, e o faz com grande respeito e amor!" EG, n.113.

segunda-feira, 25 de março de 2013

SIGNIFICADO DAS CELEBRAÇÕES DO TRÍDUO PASCAL

Quinta-feira Santa

É o dia em que se faz memória da Instituição da Eucaristia e do Sacerdócio ministerial.
Na terça-feira da semana santa, nossa comunidade diocesana, reunida na Igreja em volta do bispo, celebra a Missa Crismal, na qual são abençoados o sagrado crisma, o óleo dos catecúmenos e o óleo dos enfermos.

A partir do Tríduo Pascal e durante todo o Ano Litúrgico, estes óleos serão utilizados para os sacramentos do Batismo, da Confirmação (ou Crisma), das ordenações sacerdotais e episcopais e da Unção dos enfermos; nisso evidencia-se como a salvação transmitida pelos sinais sacramentais, brota precisamente do mistério pascal de Cristo.

Durante a missa crismal, realiza-se também a renovação das promessas sacerdotais. Em todo o mundo, cada sacerdote renova os compromissos que assumiu no dia da ordenação, para ser totalmente consagrado a Cristo na prática do sagrado ministério ao serviço dos irmãos.

À tarde de quinta-feira (santa), tem ínio o Tríduo Pascal, com memória da Última Ceia, durante a qual Jesus instituiu o memorial da sua Páscoa, cumprindo o rito pascal judaico. Segundo a tradição, cada família judaica, reunida à mesa na festa da Páscoa, come o cordeiro assado, fazendo memória da libertação dos israelitas da escravidão do Egito; assim, no cenáculo, consciente da sua morte iminente, Jesus, verdadeiro Cordeiro pascal, oferece a si mesmo pela nossa salvação.

Pronunciando a benção sobre o pão e o vinho, Ele antecipa o sacrifício da Cruz e manifesta a intenção de perpetuar no meio dos seus discípulos: sob as espécies do pão e do vinho, Ele se torna presente de modo real, com o seu corpo oferecido e o seu sangue derramado. Durante a Última Ceia, os apóstolos são constituídos ministros desse Sacramento de Salvação; Jesus lava-lhes os pés, convidando-os a amarem-se uns aos outros como Ele os amou, dando a vida por eles. Repetindo este gesto na Liturgia, também nós somos chamados a testemunhar com os fatos o amor do nosso Redentor.

O dia é encerrado com a adoração eucarística, na recordação da agonia do Senhor no Jardim do Getsêmani. Tendo deixado o Cenáculo, Ele se retirou para rezar, sozinho, diante do Pai. Naquele momento de comunhão profunda, os Evangelhos narram que Jesus sentiu grande angústia, um tal sofrimento que o fez suar sangue.

Nesta situação, sobressai também um elemento de grande importância para toda a Igreja. Jesus diz aos seus: "Permanecei aqui e vigiai"; e este apelo a vigilância diz respeito a este momento de angústia, de ameaça, na qual chegará o momento proditório (traiçoeiro), mas diz respeito a toda a história da Igreja.

Sexta-feira Santa

Neste dia faremos memória da paixão e da morte do Senhor, adoraremos Cristo crucificado, participaremos dos seus sofrimentos com a penitência e com o jejum. Dirigindo "o olhar para aqueles que trespassaram", poderíamos haurir do seu coração dilacerado que efunde sangue e água como de uma nascente; daquele coração, do qual brota o amor de Deus por todos os homens, recebemos o seu Espírito.
Por conseguinte, acompanharemos Jesus que sobre ao Calvário. Adoramos a cruz de Cristo às 15h. da sexta-feira santa.
Deixemos-nos guiar por Ele até a cruz e recebamos a oferenda do seu corpo imolado.
"Eis o lenho da Cruz, do qual pendeu a salvação do mundo".

Sábado Santo.

Por fim, na noite do Sábado Santo, celebraremos a solene Vigília Pascal, na qual nos é anunciada a ressurreição de Cristo, a sua vitória definitiva sobre a morte que nos interpela a ser nEle, homens novos.

Participando nesta santa vigília, a noite central de todo o Ano Litúrgico, faremos memória do nosso batismo, no qual também nós fomos sepultados com Cristo, para poder ressuscitar com Ele e participar no banquete do céu.

Procuremos compreender o estado de ânimo com que Jesus viveu o momento da prova extrema, para compreender o que orientava o seu agir. O critério que guiou cada opção de Jesus durante toda a sua vida foi a firme vontade de amar o Pai, de ser um com o Pai, e ser-lhe fiel; esta decisão de corresponder ao seu amor levou-o a abraçar, em todas as circunstâncias, o projeto do pai, a fazer seu o desígnio de amor que lhe foi confiado de recapitular nEle todas as coisas, para reconduzir tudo a Ele.

Ao reviver o Tríduo santo, disponhamo-nos a aceitar também nós na nossa vida a vontade de Deus, conscientes que na vontade de Deus, mesmo se parece difícil, em contraste com as nossas intenções, encontra-se o nosso verdadeiro bem, o caminho da vida. A Virgem Mãe nos guie neste itinerário e nos obtenha do seu Filho divino a graça de poder empregar a nossa vida por amor a Jesus, ao serviço dos irmãos.

UMA FELIZ E SANTA PÁSCOA!


quarta-feira, 20 de março de 2013

AS VIRTUDES: VIRTUDES CARDEAIS E VIRTUDES TEOLOGAIS

O Catecismo da Igreja Católica nos ensina que Virtude é uma disposição habitual e firme para fazer o bem, que permite à pessoa não só a praticar atos bons, mas dar o melhor de si. Com todas as suas forças sensíveis e espirituais, a pessoa virtuosa tende ao bem, procura-o e escolhe-o na prática.

As virtudes humanas são atitudes firmes, disposições estáveis, perfeições habituais da inteligência e da vontade que regulam nossos atos, ordenando nossas paixões e guiando-nos segundo a razão e a fé. Estas propiciam facilidade, domínio e alegria para levar uma vida normalmente boa. A pessoa virtuosa é aquela que pratica livremente o bem.
"O objetivo da vida virtuosa é tornar-se semelhante a Deus", diz-nos São Gregório de Nissa.

Virtudes Cardeais: PRUDÊNCIA, JUSTIÇA, FORTALEZA E TEMPERANÇA.

Prudência: É a virtude que leva a discernir o bem e os meios para realizá-lo. Ela conduz as outras virtudes indicando-lhes a regra e a medida. Ela guia imediatamente o juízo da consciência. O homem prudente decide e ordena sua conduta seguindo este juízo. Graças a esta virtude, aplicamos sem erro os princípios morais aos casos particulares e superamos as dúvidas sobre o bem a praticar e o mal a evitar. A prudência é a regra certa da ação (cf. 1Pd 4,7 e CIC, § 1806).

Justiça: É a Virtude moral que consiste na vontade constante e firme de dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido. A justiça para com Deus chama-se "virtude da religião". para com os homens, ela nos conduz a respeitar os direitos de cada um e a estabelecer nas relações humanas harmonia, promovendo a equidade em favor das pessoas e do bem comum. (cf. Lv 19,15; Cl 4,1 e CIC, § 1807).

Fortaleza: É a virtude moral que dá segurança nas dificuldades, firmeza e constância na prática do bem. Firma a resolução de resistir às tentações e superar os obstáculos na vida moral. Ela torna o homem capaz de vencer os medos, suportar as provações e perseguições, e, até mesmo a aceitar a renúncia e o sacrifício de sua própria vida para defender uma causa justa. (cf. Sl 118,4; Jo 16,33 e CIC, §1807).

Temperança: É a virtude moral que modera, no homem, a atração pelos prazeres e procura o equilíbrio no uso dos bens criados. Assegura o domínio da vontade
sobre os instintos e mantém os desejos sob os limites da honestidade, orientando seus apetites sensíveis para o bem e guardando uma santa discrição. A pessoa temperante "não se deixa levar pelas paixões do coração" (cf. Eclo 5,2 e CIC, § 1808).

As virtudes morais crescem pela educação, pelos atos deliberados e pela perseverança no esforço. A graça divina as purifica e as eleva.
Cada um deve sempre pedir esta graça a Deus, recorrer aos sacramentos, cooperar com o Espírito Santo, seguir seus apelos de amar o bem e evitar o mal.

Virtudes Teologais: FÉ, ESPERANÇA E CARIDADE.

Fé: É a virtude teologal pela qual nós cremos em Deus e em tudo o que Ele nos revelou e que a Santa Igreja nos propõe crer. Ela conduz a uma entrega total a Deus. O dom da fé permanece naquele que não pecou contra ela. Mas a fé sem obras é morta (Tg 2,26): pois somente a fé sem a esperança e o amor, não une plenamente o fiel a Cristo e faz dele um membro vivo de seu Corpo. A fé viva "age pela caridade" (Gl 5,6). O cristão, além de guardar e viver na fé deve, também, professá-la, testemunhá-la com firmeza e difundi-la. (Mt 10,32-33 e CIC, § 1816).

Esperança: É a virtude teologal pela qual nós desejamos e aguardamos de Deus com firme confiança, a vida eterna e as graças para merecê-la (Hb 10,23; Tt 3,6-7; 1Ts 4,13-18). A esperança cristã se manifesta nas bem-aventuranças anunciadas por Jesus. As bem-aventuranças purificam as esperanças do homem, ordenando-as ao reino dos Céus vence o desânimo, o esmorecimento, o egoísmo e conduz a caridade trazendo alegria mesmo na tribulação (Rm 12,12). Traçam o caminho através das provações reservadas aos discípulos de Jesus. Mas pelos méritos de Jesus Cristo e de sua Paixão, Deus nos guarda na "esperança que não decepciona" (Rm 5,5; Hb 6; 19-20; 1Ts 5,8). A esperança se exprime e se alimenta na oração, especialmente no "Pai-Nosso", que é o resumo de tudo que a esperança nos faz desejar. (cf. CIC, § 1821).
Podemos esperar, pois, a glória de céu prometida por Deus aos que o amam e fazem sua vontade.

Caridade: é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas e ao nosso próximo como a nós mesmos. A caridade é o novo mandamento de Jesus. Ele manifesta o amor que recebeu do Pai amando os seus até o fim" (Jo 13,1). E ainda: "Este é o meu preceito: Amai-vos uns aos outros como eu também vos amei" (Jo 15,12). Os seus discípulos imitam o seu amor, amando-se uns aos outros. Assim como Cristo nos amou quando ainda éramos "inimigos" (Rm 5,10), também nós devemos amar nossos inimigos (Mt 5,44); O Senhor quer que nos tornemos o próximo do mais afastado (Lc 10,27-37), que amemos como Ele (Mt 25, 40-45) as crianças e os pobres (Mc 9,37).

A caridade tem como "frutos" a alegria, a paz e a misericórdia; exige a beneficência e a correção fraterna; é benevolente; suscita a reciprocidade; é desinteressada e liberal; é amizade e comunhão. A caridade é a primeira das virtudes teologais: " Permanecem fé, esperança e caridade, estas três coisas". A caridade é superior a todas as virtudes (1Cor 13,1-3.13), pois eleva a capacidade humana de amar à perfeição sobrenatural do amor divino. (CIC, § 1829).

BATISMO - "Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo" (Ef 4,5)

O Batismo é o primeiro sacramento da Iniciação Cristã. Ele é a porta da vida no Espírito e também a porta que abre o acesso aos demais Sacramentos. Ele é a porta da filiação divina. Jesus, pelo batismo restaura nossa alma, nos dá o que Adão rejeitou. Com o batismo passamos a ser membros de Cristo, incorporados à Sua Igreja e feitos participantes de sua missão (cf. CIC, §1213); somos filhos de Deus, herdeiros da Glória.

A matéria do Batismo é a água e a forma são as palavras: "Eu te batizo em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo", ou seja, fórmula batismal trinitária. Essa instituição será confirmada por Jesus quando ordena a seus discípulos: "Ide, por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura... batizando-as em nome do pai e do Filho e do Espírito Santo" (Mc 16,15); Mt 28,19). Este mandato missionário é confiado por Cristo aos Apóstolos, aos seus sucessores que são os bispos e, de certo modo, a todos os que forem batizados.

São ministros ordinários do batismo: o bispo, o presbítero e o diácono. Porém, em caso de necessidade, qualquer pessoa, mesmo não batizada, que tenha a intenção de fazer o que a Igreja faz quando batiza pode realizá-lo, devendo utilizar a fórmula batismal trinitária, batizando "em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo" (cf. CIC, §1256), com a aspersão da água, inclusive.

Quando não é possível receber o sacramento do batismo, pode-se alcançar a graça para salvar-se pelo chamado "batismo de desejo" - um ato de perfeito amor a Deus, ou a contrição dos pecados com o voto explícito ou implícito do sacramento; e pelo "batismo de sangue" ou "martírio", alcançado por aqueles que morreram em nome da fé sem terem recebido o Batismo. Tanto o batismo de desejo quanto o batismo de sangue produzem os frutos o Batismo, mas não são considerados sacramento.

O batismo é absolutamente necessário para a salvação, como declarou Nosso Senhor Nicodemos (Jo 3,5).
A pura gratuidade da graça da salvação se manifesta, particularmente, no batismo das crianças. Portanto, a Igreja e os pais privariam as crianças da graça inestimável de serem filhos de Deus, caso não administrassem o batismo pouco depois do nascimento; desta forma se compreende a necessidade de batizar as crianças o quanto antes. Quanto às crianças que morrem sem terem sido batizadas e não têm culpa, a Igreja as confia à misericórdia de Deus e à sua promessa de querer que todos se salvem (1Tm 2,4), principalmente quando chama para si as crianças: "Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais, porque o Reino de Deus é daqueles que se lhes assemelham" (Mc 10,14).

Nos primórdios da Igreja, os batizados trocavam o nome na hora do Batismo, tamanha sua importância. Em alguns países, nos lares católicos onde se compreende a importância do batismo como nascimento espiritual, essa data, a do Batismo, é celebrada com muito mais alegria e festa que a data do nascimento.

O Batismo é também chamado "o banho da regeneração e da renovação no Espírito Santo", pois ele significa e realiza este nascimento a partir da água e do Espírito, sem o qual "ninguém pode entrar no Reino de Deus" (Jo 3,5).
Nosso Senhor submeteu-se voluntariamente ao Batismo de São João, destinado aos pecadores, para "cumprir toda a Justiça" (Mt 3,15). Este gesto de Jesus é uma manifestação do seu "aniquilamento" (Fl 2,7).

O Espírito que pairava sobre as águas da primeira criação desce sobre Cristo, preludiando a nova criação, e o Pai manifesta Jesus como seu Filho amado (Mt 3,16-17).
Os diferentes efeitos do Batismo são significativos pelos elementos sensíveis do rito sacramental. O mergulho na água, a água jogada na fronte, faz apelo ao simbolismo da morte e da purificação, mas também da regeneração e da renovação. Os dois efeitos principais são a purificação dos pecados e o novo nascimento no Espírito Santo.

Os efeitos do batismo são:

Apaga o pecado original: (e também o atual, se houver; perdoa toda a pena devida e esses pecados);

Infunde a graça santificante:  (tornamo-nos participantes na natureza divina. Junto, são infundidas em nós as virtudes teologais e os dons do Espírito Santo. Com estes dons a alma faz-se dócil e pronta aos impulsos do Espírito Santo. Tornamo-nos pelo batismo templo do Espírito Santo);

Confere caráter sacramental: (produz em nós um sinal espiritual indelével, que explica o fato de que este sacramento só pode ser recebido uma vez. O caráter batismal nos configura a Cristo, nos dá uma participação em seu sacerdócio e capacita-nos para continuar no mundo sua missão como fiéis discípulos seus);
Incorpora a Jesus Cristo: (Imprime-nos na alma o caráter de cristãos. Faz-nos filhos de Deus, da Igreja e herdeiros do céu. Tanto a graça santificante quanto o caráter sacramental são efeitos sobrenaturais do Batismo, que nos unem a Cristo como se unem os membros do corpo à cabeça. Cristo é nossa Cabeça e o caráter sacramental nos vincula a Ele para sempre, enquanto a graça santificante nos faz membros vivos.

Incorpora à Igreja: (pelo Batismo nos convertemos em membros da Igreja, passando a poder receber os demais sacramentos. A Igreja é o Corpo Místico de Cristo, e o Batismo nos incorpora a Cristo (que é a Cabeça) e a seu Corpo (que é a Igreja);

Por seu caráter indelével, o Batismo só pode ser recebido uma única vez, por esse motivo, a Igreja Católica considera válido o Batismo realizado em algumas Igrejas que o ministram nesta mesma intenção.

Rito da Celebração:
Sinal da Cruz
Anúncio da Palavra
Água Batismal
Unção com o Santo Crisma
Veste Branca
Vela.

" Vê, quando és batizado, donde vem o Batismo, se não da cruz de Cristo, na morte de Cristo. Lá está todo o mistério: Ele sofreu por ti. É N'Ele que és redimido, é N'Ele que és salvo, e por tua vez, te tornas Salvador" (Sto Ambrósio, bispo e doutor da Igreja)

segunda-feira, 18 de março de 2013

"Em quem fitarei meu Olhar amoroso, senão ao menor dos pobres, naquele cujo coração está partido?"

O Deus dos pequenos

"Sou pobre e mendigo" (Sl 39,18).

Jesus quis ser o último dos pobres para poder estender a mão ao menor entre eles e dizer-lhe: "Sou teu irmão".
Em sua Vida, o Céu admirava um Deus que se tornara pobre por Amor ao homem, para ser seu modelo e ensinar-lhe o valor da pobreza. Não há, de fato, pobre que tenha nascido de modo mais miserável que o Verbo Encarnado, cujo berço foi a palha dos animais, cujo teto foi o abrigo do rebanho. Ao crescer, comeu do pão de cevada, pão do pobre, e em sua Vida evangélica viveu de esmolas até morrer numa penúria jamais igualada.

E eis que agora, ressuscitado, glorioso, toma ainda a pobreza por companheira; encontrando meio de honrá-la, de praticá-la e tornando-se, ao habitar por entre nós o seu Sacramento, ainda mais pobre que nos dias de sua Vida mortal.

Uma mísera igreja, pior talvez que a gruta de Belém, eis muitas vezes sua morada. Quatro tábuas, frequentemente carcomidas, eis seu Tabernáculo. Recorre à esmola dos sacerdotes, dos fiéis, para tudo, para a matéria do sacrifício, o pão, o vinho, a roupa que o deverá receber ou cobrir, os corporais, as toalhas de altar, pois do Céu só traz sua adorável Pessoa, seu Amor.

Os pobres não tem honras; Jesus não tem glória. Os pobres não tem defesa; Jesus está entregue a seus inimigos. Os pobres, poucos, ou nenhum, amigos têm; Jesus-Eucaristia os tem em pequeno número e para a maioria dos homens é um estranho, um desconhecido. Quão bela, quão amável é essa pobreza evangélica de Jesus!

Nosso Senhor pede-nos que, honrando em nós mesmo sua pobreza, a imitemos. Bem longe da perfeição estaríamos se imaginássemos que nos pede a pobreza temporal. Jesus visa mais alto. Quer que sejamos pobres em espírito. E que pobreza é esta? É o perfeito amor, a alma da verdadeira humildade.

A criatura, pobre em espírito, convencida de que nada é, nada tem, vê na sua pobreza seu mais alto, mais precioso qualificativo junto ao Coração de Jesus. Quanto mais pobre for, tanto maiores serão seus direitos à Bondade e Misericórdia divinas.

E notemos mais: à medida que o pobre aceita sua pobreza, coloca-se no lugar que lhe compete, pois somos nada e assim honrando mais o Deus, ao Criador, fá-lo-á maior e mais misericordioso.

Nosso Senhor, falando pela boca de um profeta, disse: "Em quem fitarei meu Olhar amoroso, senão no menor dos pobres, naquele cujo coração está partido?" É, portanto, em nossa pobreza, que tudo lhe  devolve, e na homenagem de tudo, que lhe prestamos, que Deus encontra sua glória.

Ele ama tanto os pobres em espírito que, despojando seus servidores, fá-los triunfar em virtude da própria pobreza. Paralisa-lhes a inteligência, estanca-lhes o coração, subtrai-lhes a doçura de sua graça e de sua paz; entrega-os às tempestades das paixões, ao furor dos demônios; oculta-lhes seu sol, isola-os de todo socorro e finalmente esquiva-se Ele mesmo, de certo modo, à sua criatura consternada. Que estado doloroso!

Doloroso, não sublime! Quanto mais lhe for arrancado, tanto maior será sua gratidão, como se se tratasse dum grande bem; quanto mais provado for, tanto maior será sua confiança na inesgotável Bondade de Deus. E quando o demônio lhe mostrar o inferno, quando seus pecados o acusarem e o condenarem, vede a grandeza desse pobre em espírito, exclamando: "Na verdade, o inferno seria para mim de justiça, nem seria bastante terrível, nem bastante vingador para os meus pecados, cometidos por malícia contra Vós, meu Criador e Pai. E, por merecer milhões de infernos, confio na vossa Infinita Misericórdia. E, por ser miserável, sou digno dela, e quanto mais miserável, mais digno sou. Sede justo para comigo neste mundo, ó meu Deus, eu vos agradeço, e muito, por me permitir saldar minhas dívidas. Mais ainda, Senhor, mereço mais ainda!

Que pode responder Deus a este pobre cheio de gratidão? Só poderá se declarar vencido, abraçá-lo, abrir-lhe seus tesouros e, mostrando-o, cheio de admiração, aos Anjos, exclamará: "Eis o homem que, na verdade, me glorificou".

Fonte: S.Pedro J.Eymard.Vl 1.

domingo, 17 de março de 2013

É Cristo que guia a Igreja através do seu Espírito. O Espírito Santo é a alma da Igreja, com a sua força vivificadora e unificante: faz de muitos um só corpo, o Corpo místico de Cristo.


Parte do discurso do papa Francisco, aos Cadeais.

Cidade do Vaticano,  


"... Dirijo uma saudação cheia de afeto e profunda gratidão ao meu venerado Predecessor Bento XVI que, durante estes anos de Pontificado, enriqueceu e revigorou a Igreja com o seu magistério, a sua bondade, a sua orientação, a sua fé, a sua humildade e a sua mansidão. Estas continuarão a ser um patrimônio espiritual para todos. O ministério petrino, vivido com dedicação total, teve nele um intérprete sábio e humilde, com os olhos sempre fixos em Cristo, Cristo ressuscitado, presente e vivo na Eucaristia. Não cessarão jamais de o acompanhar a nossa oração fervorosa, a nossa viva lembrança, a nossa imorredoura e afetuosa gratidão. Sentimos que Bento XVI ascendeu no fundo dos nossos corações uma chama: esta vai continuar a arder, porque será alimentada pela sua oração, que sustentará a Igreja no seu caminho espiritual e missionário.

Amados Irmãos Cardeais, este nosso encontro quer ser uma espécie de prolongamento da intensa comunhão eclesial vivida neste período. Animados por um profundo sentido de responsabilidade e sustentados por um grande amor a Cristo e à Igreja, rezamos juntos, partilhando fraternamente os nossos sentimentos, as nossas experiências e reflexões. Foi neste clima de grande cordialidade que cresceu o conhecimento recíproco e a abertura mútua; e isto é bom, porque nós somos irmãos. Alguém me dizia: os Cardeais são os padres do Santo Padre. Aquela comunhão, aquela amizade, aquela proximidade nos fará bem a todos. E este conhecimento e esta abertura mútua nos facilitaram a docilidade à ação do Espírito Santo. Ele, o Paráclito, é o protagonista supremo de cada iniciativa e manifestação de fé. É curioso: me faz pensar, essa realidade. O Paráclito cria todas as diferenças nas Igrejas, e parece que seja um apóstolo de Babel. Mas, por outro lado, é Ele que cria a unidade nestas diferenças, não na "igualitariedade", mas na harmonia. Lembro-me de um Padre da Igreja que O definia assim "Ipse harmonia est". É o Paráclito quem dá a cada um de nós os diversos carismas, que nos une nesta comunidade que é a Igreja, que adora ao Pai, ao Filho e Ele, o Espírito Santo.

Partindo justamente do afeto colegial autêntico que une o Colégio Cardinalício, exprimo a minha vontade de servir o Evangelho com renovado amor, ajudando a Igreja a tornar-se, cada vez mais, em Cristo e com Cristo, a videira fecunda do Senhor. Estimulados também pela celebração do Ano da Fé, todos juntos, Pastores e fiéis, nos esforçaremos corresponder fielmente à missão de sempre: levar Jesus Cristo ao homem e conduzir o homem para que se encontre com Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida, realmente presente na Igreja e contemporâneo em cada homem. Este encontro leva a nos tornarmos homens novos no mistério da graça, suscitando na alma aquela alegria cristã que constitui o cêntuplo dado por Cristo a quem que O recebe na própria vida.
Como o Papa Bento XVI nos lembrou tantas vezes nos seus ensinamentos e, por fim, com o seu gesto corajoso e humilde, é Cristo que guia a Igreja através do seu Espírito. O Espírito Santo é a alma da Igreja, com a sua força vivificadora e unificante: faz de muitos um só corpo, o Corpo místico de Cristo. Não cedamos jamais ao pessimismo, a esta amargura que o diabo nos oferece cada dia; não cedamos ao pessimismo e ao desânimo: tenhamos a firme certeza de que o Espírito Santo dá à Igreja, com o seu sopro poderoso, a coragem de perseverar e também de procurar novos métodos de evangelização, para levar o Evangelho até os últimos confins (cf. At 1,8). A verdade cristã é fascinante e persuasiva, porque responde à necessidade profunda da existência humana, anunciando de modo convincente que Cristo é o único Salvador do homem todo e de todos os homens. Este anúncio permanece válido hoje como o foi nos primórdios do cristianismo, quando se realizou a primeira grande expansão missionária do Evangelho.
Amados Irmãos, coragem! A metade de nós está em idade avançada: a velhice é – gosto de dizê-lo assim – a sede da sabedoria da vida. Os idosos têm a sabedoria de ter caminhado na vida, como o velho Simeão, como a idosa Ana no Templo. E justamente aquela sabedoria fez com que eles reconhecessem Jesus. Entreguemos esta sabedoria aos jovens: como o vinho bom, que com os anos torna-se melhor, demos aos jovens a sabedoria da vida. Vem-me a cabeça aquilo que um poeta alemão dizia da velhice: "Es ist ruhig, das Alter, und fromm": é o tempo da tranqüilidade e da oração. E é também o tempo de dar aos jovens esta sabedoria. Agora retornareis às vossas sedes, para continuardes o vosso ministério, enriquecidos pela experiência destes dias, tão cheios de fé e comunhão eclesial. Esta experiência única e incomparável, permitiu-nos identificar profundamente toda a beleza da realidade eclesial, que é um reflexo do fulgor de Cristo Ressuscitado: um dia contemplaremos aquela face belíssima de Cristo Ressuscitado!
À poderosa intercessão de Maria, nossa Mãe, Mãe da Igreja, confio o meu ministério e o vosso. Sob seu olhar materno, possa cada um de vós caminhar, feliz e dócil, à voz do seu divino Filho, reforçando a unidade, perseverando concordes na oração e testemunhando a fé autêntica na presença contínua do Senhor. Com estes sentimentos – sento-os de verdade! – com estes sentimentos, concedo de bom grado a minha Bênção Apostólica, que faço extensiva aos vossos colaboradores e às pessoas confiadas aos vossos cuidados pastorais".

PRIMEIRA SAUDAÇÃO PAPA FRANCISCO


BÊNÇÃO APOSTÓLICA "URBI ET ORBI"
PRIMEIRA SAUDAÇÃO DO PAPA FRANCISCO
Varanda central da Basílica Vaticana
Quarta-feira, 13 de março de 2013


Irmãos e irmãs, boa-noite!
Vós sabeis que o dever do Conclave era dar um Bispo a Roma. Parece que os meus irmãos Cardeais tenham ido buscá-lo quase ao fim do mundo… Eis-me aqui! Agradeço-vos o acolhimento: a comunidade diocesana de Roma tem o seu Bispo. Obrigado! E, antes de mais nada, quero fazer uma oração pelo nosso Bispo emérito Bento XVI. Rezemos todos juntos por ele, para que o Senhor o abençoe e Nossa Senhora o guarde.
[Recitação do Pai Nosso, Ave Maria e Glória ao Pai]
E agora iniciamos este caminho, Bispo e povo... este caminho da Igreja de Roma, que é aquela que preside a todas as Igrejas na caridade. Um caminho de fraternidade, de amor, de confiança entre nós. Rezemos sempre uns pelos outros. Rezemos por todo o mundo, para que haja uma grande fraternidade. Espero que este caminho de Igreja, que hoje começamos e no qual me ajudará o meu Cardeal Vigário, aqui presente, seja frutuoso para a evangelização desta cidade tão bela!
E agora quero dar a Bênção, mas antes… antes, peço-vos um favor: antes de o Bispo abençoar o povo, peço-vos que rezeis ao Senhor para que me abençoe a mim; é a oração do povo, pedindo a Bênção para o seu Bispo. Façamos em silêncio esta oração vossa por mim.
[…]
Agora dar-vos-ei a Bênção, a vós e a todo o mundo, a todos os homens e mulheres de boa vontade.
[Bênção]
Irmãos e irmãs, tenho de vos deixar. Muito obrigado pelo acolhimento! Rezai por mim e até breve! Ver-nos-emos em breve: amanhã quero ir rezar aos pés de Nossa Senhora, para que guarde Roma inteira. Boa noite e bom descanso!

ANO DA FÉ - CATEQUESE BENTO XVI


PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Praça de São Pedro
Quarta-feira, 17 de Outubro de 2012


Hoje gostaria de introduzir o novo ciclo de catequeses, que se desenvolve ao longo de todo o Ano da fé, recém-iniciado, e que interrompe — durante este período — o ciclo dedicado à escola da oração. Mediante a Carta Apostólica Porta Fidei proclamei este Ano especial, precisamente para que a Igreja renove o entusiasmo de crer em Jesus Cristo, único Salvador do mundo, reavive a alegria de percorrer o caminho que nos indicou e testemunhe de modo concreto a força transformadora da fé.

A celebração do cinquentenário da inauguração do Concílio Vaticano II é uma ocasião importante para voltar para Deus, a fim de aprofundar e viver com maior coragem a própria fé, para fortalecer a pertença à Igreja, «mestra em humanidade» que, através do anúncio da Palavra, da celebração dos Sacramentos e das obras de caridade, nos orienta para encontrar e conhecer Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. 

Trata-se do encontro não com uma ideia, nem com um projeto de vida, mas com uma Pessoa viva que nos transforma em profundidade a nós mesmos, revelando-nos a nossa verdadeira identidade de filhos de Deus. O encontro com Cristo renova os nossos relacionamentos humanos, orientando-os no dia-a-dia para uma maior solidariedade e fraternidade, na lógica do amor. 

Ter fé no Senhor não é algo que interessa unicamente à nossa inteligência, ao campo do saber intelectual, mas é uma mudança que compromete a vida, a totalidade do nosso ser: sentimento, coração, inteligência, vontade, corporeidade, emoções e relacionamentos humanos. Com a fé muda verdadeiramente tudo em nós e para nós, e revela-se com clareza o nosso destino futuro, a verdade da nossa vocação no interior da história, o sentido da vida, o gosto de sermos peregrinos rumo à Pátria celeste.

Mas — perguntemo-nos — a fé é verdadeiramente a força transformadora da nossa vida, na minha vida? Ou então é apenas um dos elementos que fazem parte da existência, sem ser aquele determinante, que a abrange totalmente? Com as catequeses deste Ano da fé gostaríamos de percorrer um caminho para fortalecer ou reencontrar a alegria da fé, compreendendo que ela não é algo de alheio, separado da vida concreta, mas é a sua alma. A fé num Deus que é amor, e que se fez próximo do homem, encarnando e doando-se a si mesmo na cruz para nos salvar e reabrir as portas do Céu, indica de modo luminoso que a plenitude do homem consiste unicamente no amor. Hoje é necessário reiterá-lo com clareza, enquanto as transformações culturais em curso mostram com frequência tantas formas de barbárie, que passam sob o sinal de «conquistas de civilização»: a fé afirma que não há humanidade autêntica, a não ser nos lugares, nos gestos, nos tempos e nas formas como o homem é animado pelo amor que vem de Deus, se expressa como dom, se manifesta em relações ricas de amor, de compaixão, de atenção e de serviço abnegado ao próximo. Onde existe domínio, posse, exploração, mercantilização do outro por egoísmo próprio, onde há arrogância do eu, fechado em si mesmo, o homem torna-se pobre, degradado, desfigurado. A fé cristã, laboriosa na caridade e forte na esperança, não limita mas humaniza a vida, aliás, torna-a plenamente humana.

A fé é o acolhimento desta mensagem transformadora na nossa vida, o acolhimento da revelação de Deus, que nos faz conhecer quem Ele é, como age, quais são os seus desígnios para nós. Sem dúvida, o mistério de Deus permanece sempre além dos nossos conceitos e da nossa razão, dos nossos ritos e das nossas preces. Todavia, com a revelação é o próprio Deus quem se autocomunica, se descreve, se torna acessível. E nós tornamo-nos capazes de ouvir a sua Palavra e de receber a sua verdade. Eis, pois, a maravilha da fé: Deus, no seu amor, cria em nós — através da obra do Espírito Santo — as condições adequadas para que possamos reconhecer a sua Palavra. O próprio Deus, na sua vontade de se manifestar, de entrar em contacto connosco, de se fazer presente na nossa história, torna-nos capazes de o ouvir e acolher. São Paulo exprime-o assim, com alegria e reconhecimento: «Nós não cessamos de dar graças a Deus, porque recebestes a palavra de Deus, que de nós ouvistes, e porque a acolhestes não como palavra de homens, mas como aquilo que realmente é, palavra de Deus, que age eficazmente em vós, fiéis» (1 Ts 2, 13).

Deus revelou-se mediante palavras e obras em toda uma longa história de amizade com o homem, que culmina na Encarnação do Filho de Deus e no seu Mistério de Morte e Ressurreição. Deus não só se revelou na história de um povo, nem falou só por meio dos Profetas, mas atravessou o seu Céu para entrar na terra dos homens como homem, para que pudéssemos encontrá-lo e ouvi-lo. E de Jerusalém o anúncio do Evangelho da salvação propagou-se até aos confins da terra. A Igreja, nascida do lado de Cristo, tornou-se portadora de uma esperança nova e sólida: Jesus de Nazaré, crucificado e ressuscitado, Salvador do mundo, que está sentado à direita do Pai e é Juiz dos vivos e dos mortos. Este é o kerigma, o anúncio central e impetuoso da fé. Mas desde o início levantou o problema da «regra da fé», ou seja, da fidelidade dos crentes à verdade do Evangelho, na qual permanecer firmes, à verdade salvífica sobre Deus e sobre o homem, que se deve conservar e transmitir. São Paulo escreve: «Recebereis a salvação, se o mantiverdes [o Evangelho] como vo-lo anunciei. Caso contrário, em vão teríeis abraçado a fé» (1 Cor 15, 2).

Mas onde encontramos a fórmula essencial da fé? Onde encontramos as verdades que nos foram fielmente transmitidas e que constituem a luz para a nossa vida diária? A resposta é simples: no Credo, na Profissão de Fé, ou Símbolo da Fé, nós relacionamo-nos com o acontecimento originário da Pessoa e da História de Jesus de Nazaré; torna-se concreto quanto o Apóstolo das nações dizia aos cristãos de Corinto: «Transmiti-vos primeiramente o que eu mesmo tinha recebido: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia» (1 Cor 15, 3-4).

Ainda hoje temos necessidade que o Credo seja melhor conhecido, compreendido e pregado. Sobretudo, é importante que o Credo seja, por assim dizer, «reconhecido». Com efeito, conhecer poderia ser algo simplesmente intelectual, enquanto «reconhecer» quer significar a necessidade de descobrir o vínculo profundo entre as verdades que professamos no Credo e a nossa existência quotidiana, para que estas verdades sejam deveras e concretamente — como sempre foram — luz para os passos do nosso viver, água que rega a aridez do nosso caminho, vida que vence certos desertos da vida contemporânea. No Credo insere-se a vida moral do cristão, que nele encontra o seu fundamento e a sua justificação.

Não é por acaso que o Beato João Paulo II quis que o Catecismo da Igreja Católica, norma segura para o ensinamento da fé e fonte certa para uma catequese renovada, se inspirasse no Credo. Tratava-se de confirmar e conservar este núcleo fulcral das verdades da fé, comunicando-o numa linguagem mais inteligível aos homens do nosso tempo, a nós. É um dever da Igreja transmitir a fé, comunicar o Evangelho, a fim de que as verdades cristãs sejam luz das novas transformações culturais, e os cristãos se tornem capazes de explicar a razão da sua esperança (cf. 1 Pd 3, 14). Hoje, vivemos numa sociedade profundamente transformada, também em relação a um passado recente, e em movimento contínuo. 

Os processos da secularização e de uma difundida mentalidade niilista, em que tudo é relativo, marcaram profundamente a mentalidade comum. Assim, a vida é muitas vezes levada com superficialidade, sem ideais claros nem esperanças sólidas, no contexto de vínculos sociais e familiares fluidos, provisórios. Sobretudo as novas gerações não são educadas para a busca da verdade e do sentido profundo da existência, que ultrapasse o contingente, para a estabilidade dos afectos, para a confiança. Ao contrário, o relativismo leva a não ter pontos firmes, suspeita e volubilidade provocam rupturas nos relacionamentos humanos, enquanto a vida é vivida com experiências que duram pouco, sem assunção de responsabilidade. Se o individualismo e o relativismo parecem dominar o espírito de muitos contemporâneos, não se pode dizer que os crentes permanecem totalmente imunes a estes perigos, que devemos enfrentar na transmissão da fé. A sondagem realizada em todos os Continentes, em vista da celebração do Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização, evidenciou alguns: uma fé vivida de modo passivo e privado, a rejeição da educação para a fé, a ruptura entre vida e fé.

Muitas vezes o cristão não conhece nem sequer o núcleo central da própria fé católica, do Credo, de modo a deixar espaço a um certo sincretismo e relativismo religioso, sem clareza sobre as verdades nas quais crer e sobre a singularidade salvífica do cristianismo. Hoje não está muito distante o risco de construir, por assim dizer, uma religião personalizada. Ao contrário, temos que voltar para Deus, para o Deus de Jesus Cristo, temos que redescobrir a mensagem do Evangelho, fazê-lo entrar de modo mais profundo nas nossas consciências e na vida quotidiana.

Nas catequeses deste Ano da fé gostaria de oferecer uma ajuda para percorrer este caminho, para retomar e aprofundar as verdades centrais da fé sobre Deus, o homem, a Igreja e toda a realidade social e cósmica, meditando e ponderando sobre as afirmações do Credo. E gostaria que fosse clara que estes conteúdos ou verdades da fé (fides quae) se relacionam diretamente com a nossa vida; exigem uma conversão da existência, que dá vida a um novo modo de crer em Deus (fides qua). Conhecer Deus, encontrá-lo, aprofundar os traços da sua Face põe em jogo a nossa vida, pois Ele entra nos dinamismos profundos do ser humano.
Possa o caminho que percorreremos este Ano fazer-nos crescer todos na fé e no amor a Cristo, para que aprendamos a viver, nas opções e gestos quotidianos, a vida boa e bela do Evangelho.

O QUE É A FÉ - CATEQUESE BENTO XVI


Na quarta-feira passada, com o início do Ano da fé, dei início a uma nova série de catequeses sobre a fé. E hoje gostaria de meditar convosco sobre uma questão fundamental: 

o que é a fé? 
Ainda tem sentido a fé, num mundo em que ciência e técnica abriram horizontes até há pouco tempo impensáveis?
O que significa crer hoje? 

Com efeito, no nosso tempo é necessária uma renovada educação para a fé, que inclua sem dúvida um conhecimento das suas verdades e dos acontecimentos da salvação, mas sobretudo que nasça de um encontro verdadeiro com Deus em Jesus Cristo, do amá-lo, do ter confiança nele, de modo que a vida inteira seja envolvida por Ele.

Hoje, juntamente com tantos sinais de bem, aumenta ao nosso redor um certo deserto espiritual. Às vezes tem-se como que a sensação, a partir de certos acontecimentos dos quais recebemos notícias todos os dias, que o mundo não caminha rumo à construção de uma comunidade mais fraterna e mais pacífica; as próprias ideias de progresso e de bem-estar mostram também as suas sombras. Não obstante a grandeza das descobertas da ciência e dos êxitos da técnica, hoje o homem não parece ter-se tornado verdadeiramente mais livre, mais humano; subsistem muitas formas de exploração, de manipulação, de violência, de prepotência, de injustiça... Além disso, um certo tipo de cultura educou a mover-se só no horizonte das coisas, do realizável, a acreditar unicamente naquilo que se vê e se toca com as próprias mãos. Mas por outro lado, aumenta também o número daqueles que se sentem desorientados e, na tentativa de ir além de uma visão apenas horizontal da realidade, estão dispostos a crer em tudo e no seu contrário. Neste contexto sobressaem algumas interrogações fundamentais, que são muito mais concretas do que parecem à primeira vista: que sentido tem viver? Há um futuro para o homem, para nós e para as novas gerações? Para que rumo orientar as opções da nossa liberdade, para um êxito bom e feliz da vida? O que nos espera além do limiar da morte?

Destas interrogações insuprimíveis sobressai que o mundo da planificação, do cálculo exato e da experimentação, em síntese o saber da ciência, embora seja importante para a vida do homem, sozinho não é suficiente. Temos necessidade não só do pão material, mas precisamos de amor, de significado e de esperança, de um fundamento seguro, de um terreno sólido que nos ajude a viver com um sentido autêntico também na crise, nas obscuridades, nas dificuldades e nos problemas quotidianos. 

A fé oferece-nos precisamente isto: é um entregar-se confiante a um «Tu», que é Deus, o qual me confere uma certeza diversa, mas não menos sólida do que aquela que me deriva do cálculo exato ou da ciência. A fé não é simples assentimento intelectual do homem a verdades particulares sobre Deus; é um gesto mediante o qual me confio livremente a um Deus que é Pai e que me ama; é adesão a um «Tu» que me dá esperança e confiança. 

Sem dúvida, esta adesão a Deus não está isenta de conteúdos: com ela estamos conscientes de que o próprio Deus nos é indicado em Cristo, mostrou o seu rosto e fez-se realmente próximo de cada um de nós. Aliás, Deus revelou que o seu amor pelo homem, por cada um de nós, é incomensurável: na Cruz, Jesus de Nazaré, o Filho de Deus que se fez homem, mostra-nos do modo mais luminoso até que ponto chega este amor, até ao dom de si mesmo, até ao sacrifício total. Com o mistério da Morte e Ressurreição de Cristo, Deus desce até ao fundo na nossa humanidade, para lha restituir, para a elevar à sua altura. 

A fé é crer neste amor de Deus que não diminui diante da maldade do homem, perante o mal e a morte, mas é capaz de transformar todas as formas de escravidão, oferecendo a possibilidade da salvação. Então, ter fé é encontrar este «Tu», Deus, que me sustém e me faz a promessa de um amor indestrutível, que não só aspira à eternidade, mas também a concede; é confiar-me a Deus com a atitude da criança, a qual sabe bem que todas as suas dificuldades, todos os seus problemas estão salvaguardados no «tu» da mãe. E esta possibilidade de salvação através da fé é um dom que Deus oferece a todos os homens. Penso que deveríamos meditar mais frequentemente — na nossa vida quotidiana, caracterizada por problemas e situações por vezes dramáticas — sobre o facto de que crer cristãmente significa este abandonar-se com confiança ao sentido profundo que me sustém, a mim e ao mundo, àquele sentido que não somos capazes de nos darmos a nós mesmos, mas só de receber como dádiva, e que é o fundamento sobre o qual podemos viver sem temor. Temos que ser capazes de anunciar com a palavra e de mostrar com a nossa vida cristã esta certeza libertadora e tranquilizadora da fé.

Contudo, ao nosso redor vemos todos os dias que muitos permanecem indiferentes, ou rejeitam aceitar este anúncio. No final do Evangelho de Marcos, hoje temos palavras duras do Ressuscitado, que diz: «Quem crer e for baptizado será salvo, mas quem não crer será condenado» (Mc 16, 16), perder-se-á a si mesmo. Gostaria de vos convidar a meditar sobre isto. 

A confiança na ação do Espírito Santo deve impelir-nos sempre a ir e anunciar o Evangelho, ao testemunho corajoso da fé; mas para além da possibilidade de uma resposta positiva ao dom da fé há inclusive o risco da rejeição do Evangelho, do não-acolhimento do encontro vital com Cristo. Já santo Agostinho apresentava este problema num seu comentário à parábola do semeador: «Nós falamos — dizia — lançamos a semente, espalhamos a semente. Há aqueles que desprezam, aqueles que repreendem, aqueles que zombam. Se os tememos, não teremos mais nada para semear, e no dia da ceifa permaneceremos sem colheita. Por isso, venha a semente da terra boa» (Discursos sobre a disciplina cristã, 13, 14: pl 40, 677-678). Portanto, a rejeição não nos pode desencorajar. Como cristãos, somos testemunhas deste terreno fértil: apesar dos nossos limites, a nossa fé demonstra que existe a terra boa, onde a semente da Palavra de Deus produz frutos abundantes de justiça, de paz e de amor, de uma nova humanidade, de salvação. E toda a história da Igreja, com todos os problemas, demonstra também que existe a terra boa, que existe a semente boa, e dá fruto.

Mas perguntemo-nos: 

de onde haure o homem aquela abertura do coração e da mente, para acreditar no Deus que se tornou visível em Jesus Cristo, morto e ressuscitado, para acolher a sua salvação, de tal modo que Ele e o seu Evangelho sejam guia e luz da existência? 

Resposta: nós podemos crer em Deus, porque Ele se aproxima de nós e nos toca, porque o Espírito Santo, dom do Ressuscitado, nos torna capazes de acolher o Deus vivo. Então, a fé é antes de tudo uma dádiva sobrenatural, um dom de Deus. O Concílio Vaticano II afirma: «Para prestar esta adesão da fé, são necessários a prévia e concomitante ajuda da graça divina e os interiores auxílios do Espírito Santo, o qual move e converte a Deus o coração, abre os olhos do entendimento, e dá “a todos a suavidade em aceitar e crer na verdade”» (Constituição dogmática Dei Verbum, 5). Na base do nosso caminho de fé está o Batismo, o sacramento que nos confere o Espírito Santo, tornando-nos filhos de Deus em Cristo, e marca a entrada na comunidade da fé, na Igreja: não cremos por nós mesmos, sem a prevenção da graça do Espírito; e não cremos sozinhos, mas juntamente com os irmãos. Do Batismo em diante, cada crente é chamado a reviver e fazer sua esta profissão de fé, com os irmãos.

A fé é dom de Deus, mas é também ato profundamente livre e humano. O Catecismo da Igreja Católica afirma-o claramente: «O ato de fé só é possível pela graça e pelos auxílios interiores do Espírito Santo. Mas não é menos verdade que crer é um ato autenticamente humano. Não é contrário nem à liberdade nem à inteligência do homem» (n. 154). Aliás, envolve-as e exalta-as, numa aposta de vida que é como que um êxodo, ou seja um sair de nós mesmos, das nossas seguranças, dos nossos esquemas mentais, para nos confiarmos à ação de Deus que nos indica o seu caminho para alcançar a liberdade verdadeira, a nossa identidade humana, a alegria do coração, a paz com todos. Crer é confiar-se com toda a liberdade e com alegria ao desígnio providencial de Deus sobre a história, como fez o patriarca Abraão, como fez Maria de Nazaré. Então, a fé é um assentimento com que a nossa mente e o nosso coração dizem o seu «sim» a Deus, professando que Jesus é o Senhor. E este «sim» transforma a vida, abre-lhe o caminho rumo a uma plenitude de significado, tornando-a assim nova, rica de júbilo e de esperança confiável.

Caros amigos, o nosso tempo exige cristãos que tenham sido arrebatados por Cristo, que cresçam na fé graças à familiaridade com a Sagrada Escritura e com os Sacramentos. Pessoas que sejam quase um livro aberto que narra a experiência da vida nova no Espírito, a presença daquele Deus que nos sustém no caminho e nos abre para a vida que nunca mais terá fim.

A FÉ DA IGREJA - CATEQUESE BENTO XVI


A fé da Igreja

Prosseguimos no nosso caminho de meditação sobre a fé católica. Na semana passada mostrei como a fé é um dom, porque é Deus que toma a iniciativa e vem até nós; e assim a fé é uma resposta com a qual nós O acolhemos como fundamento estável da nossa vida. 

É um dom que transforma a existência, porque nos faz entrar na mesma visão de Jesus, o qual age em nós e nos abre ao amor a Deus e aos outros.

Hoje gostaria de dar outro passo na nossa reflexão, partindo mais uma vez de algumas perguntas: a fé tem um carácter só pessoal, individual? Diz respeito só à minha pessoa? Vivo a minha fé individualmente? 

Decerto, o ato de fé é eminentemente pessoal, o qual se realiza no íntimo mais profundo e marca uma mudança de direção, uma conversão pessoal: é a minha existência que recebe uma mudança, uma orientação nova. Na Liturgia do Batismo, no momento das promessas, o celebrante pede para manifestar a fé católica e formula três perguntas: Credes em Deus Todo-Poderoso? Credes em Jesus Cristo seu único Filho? Credes no Espírito Santo? Antigamente estas perguntas eram dirigidas pessoalmente a quantos deveriam receber o Batismo, antes de os imergir três vezes na água. E também hoje a resposta é dada no singular: «Creio». 

Mas este meu crer não é o resultado de uma minha reflexão solitária, nem o produto de um meu pensamento, mas é fruto de uma relação, de um diálogo, no qual há um ouvir, um receber e um responder; é o comunicar com Jesus que me faz sair do meu «eu» fechado em mim mesmo para me abrir ao amor de Deus Pai. É como um renascimento no qual me descubro unido não só a Jesus mas também a todos os que caminharam e caminham na mesma senda; e este novo nascimento, que inicia com o Batismo, continua por todo o percurso da existência. Não posso construir a minha fé pessoal num diálogo privado com Jesus, porque a fé me é doada por Deus através duma comunidade crente que é a Igreja e, desta maneira, me insere na multidão dos crentes numa comunhão que não é só sociológica, mas radicada no amor eterno de Deus, que em Si mesmo é comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo, é Amor trinitário. A nossa fé só é deveras pessoal, se for também comunitária: só pode ser a minha fé, se viver e se mover no «nós» da Igreja, se for a nossa fé, a fé comum da única Igreja.

Aos domingos, durante a Santa Missa, recitando o «Credo», nós expressamo-nos em primeira pessoa, mas confessamos comunitariamente a única fé da Igreja. O «Credo» pronunciado singularmente une-se ao de um imenso coro no tempo e no espaço, no qual cada um contribui, por assim dizer, para uma polifonia concorde na fé. O Catecismo da Igreja Católica resume de modo claro: «“Crer” é um ato eclesial. A fé da Igreja precede, gera, apoia e nutre a nossa fé. A Igreja é a Mãe de todos os crentes. “Ninguém pode dizer que tem Deus como Pai se não tiver a Igreja como Mãe” [São Cipriano]» (n. 181). Portanto, a fé nasce na Igreja, conduz para ela e vive nela. É importante recordar isto.

No ínicio do acontecimento cristão, quando o Espírito Santo desce com poder sobre os discípulos, no dia de Pentecostes — como narram os Atos dos Apóstolos (cf. 2, 1-13) — a Igreja nascente recebe a força para atuar a missão que lhe foi confiada pelo Senhor ressuscitado: difundir o Evangelho em todos os cantos da terra, a boa nova do Reino de Deus, e, deste modo, guiar todos os homens para o encontro com Ele, para a fé que salva. Os Apóstolos superam todos os temores proclamando o que tinham ouvido, visto, experimentado pessoalmente com Jesus. Pelo poder do Espírito Santo, iniciam a falar línguas novas, anunciando abertamente o mistério do qual foram testemunhas. Depois nos Atos dos Apóstolos é-nos referido o grande discurso que Pedro pronuncia precisamente no dia de Pentecostes. Ele começa com um trecho do profeta Joel (3, 1-5), referindo-o a Jesus, e proclamando o núcleo central da fé cristã: Aquele que beneficiou todos, que foi reconhecido junto de Deus com prodígios e sinais importantes, foi pregado na cruz e morreu, mas Deus ressuscitou-o dos mortos, constituindo-o Senhor e Cristo. Com Ele entramos na salvação definitiva anunciada pelos profetas e quem invocar o seu nome será salvo (cf. At 2, 17-24). Ao ouvir estas palavras de Pedro, muitos se sentiram pessoalmente interpelados, arrependeram-se dos próprios pecados e fizeram-se baptizar, recebendo o dom do Espírito Santo (cf. At 2, 37-41). 
Assim iniciou o caminho da Igreja, comunidade que transmite este anúncio no tempo e no espaço, comunidade que é o Povo de Deus fundado na nova aliança graças ao sangue de Cristo e cujos membros não pertencem a um particular grupo social ou étnico, mas são homens e mulheres provenientes de todas as nações e culturas. É um povo «católico», que fala línguas novas, universalmente aberto a acolher todos, além dos confins, abatendo todas as barreiras. Diz são Paulo: «Não há mais grego nem judeu, nem circunciso nem incircunciso, nem bárbaro nem cita, nem escravo nem livre, mas Cristo, que é tudo em todos» (Cl 3, 11).

Portanto, desde os primórdios a Igreja é o lugar da fé, da transmissão da fé, o lugar no qual, pelo Batismo, nos imergimos no Mistério Pascal da Morte e da Ressurreição de Cristo, que nos liberta da prisão do pecado, nos doa a liberdade de filhos e nos introduz na comunhão com o Deus trinitário. Ao mesmo tempo, estamos imersos na comunhão com os outros irmãos e irmãs de fé, com o inteiro Corpo de Cristo, tirados do nosso isolamento. O Concílio Vaticano II recorda: «Deus quis salvar e santificar os homens não individualmente nem sem qualquer vínculo entre si, mas quis constituir com eles um povo, que O reconhecesse na verdade e O servisse fielmente» (Const. dogm. Lumen gentium, 9). 

Mencionando ainda a Liturgia do Batismo vemos que na conclusão das promessas nas quais expressamos a renúncia ao mal e repetimos «creio» às verdades da fé, o celebrante declara: «Esta é a nossa fé, esta é a fé da Igreja que nos gloriamos de professar em Jesus Cristo nosso Senhor». A fé é virtude teologal, doada por Deus, mas transmitida pela Igreja ao longo da história. O próprio são Paulo, escrevendo aos Coríntios, afirma que lhes comunicou o Evangelho que por sua vez também ele tinha recebido (cf. 1 Cor 15, 3).

Há uma corrente ininterrupta de vida da Igreja, de anúncio da Palavra de Deus, de celebração dos Sacramentos, que chega até nós e à qual chamamos Tradição. Ela dá-nos a garantia de que cremos na mensagem originária de Cristo, transmitida pelos Apóstolos. O núcleo do anúncio primordial é o evento da Morte e Ressurreição do Senhor, do qual brota todo o patrimônio da fé. Diz o concílio: «A pregação apostólica, que está exposta de um modo especial nos livros inspirados, devia conservar-se até ao fim dos tempos, por uma sucessão contínua» (Const. dogm.Dei Verbum, 8). Deste modo, se a Sagrada Escritura contém a Palavra de Deus, a Tradição da Igreja a conserva-a e transmite-a fielmente, para que os homens de todas as épocas possam aceder aos seus imensos recursos e se enriqueçam com os seus tesouros de graça. Assim a Igreja «na sua doutrina, na sua vida e no seu culto transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo o que ela acredita» (ibidem).

Enfim, gostaria de realçar que é na comunidade eclesial que a fé pessoal cresce e amadurece. É interessante observar como no Novo Testamento a palavra «santos» designa os cristãos no seu conjunto, mas certamente nem todos tinham as qualidades para ser declarados santos pela Igreja. Que se desejava então indicar com este termo? O facto de que os tinham e viviam a fé em Cristo ressuscitado foram chamados a tornar-se um ponto de referência para todos os outros, pondo-os assim em contacto com a Pessoa e com a Mensagem de Jesus, que revela a face do Deus vivo. E isto vale também para nós: um cristão que se deixa guiar e plasmar gradualmente pela fé da Igreja, não obstante as suas debilidades, os seus limites e dificuldades, torna-se como uma janela aberta à luz do Deus vivo, que recebe esta luz e a transmite ao mundo. O Beato João Paulo II na Encíclica Redemptoris missio afirmava que «a missão renova a Igreja, revigora a fé e a identidade cristã, dá-lhe novo entusiasmo e novas motivações. É dando a fé que ela se fortalece!» (n. 2).

Portanto, a tendência hoje difundida a relegar a fé na esfera do privado contradiz a sua própria natureza. Precisamos de uma Igreja para confirmar a nossa fé e fazer experiência dos dons de Deus: a sua Palavra, os Sacramentos, o apoio da graça e o testemunho do amor. Assim o nosso «eu» no «nós» da Igreja poderá sentir-se, ao mesmo tempo, destinatário e protagonista de um evento que o supera: a experiência da comunhão com Deus, que funda a comunhão entre os homens. Num mundo no qual o individualismo parece regular as relações entre as pessoas, tornando-as cada vez mais frágeis, a fé chama-nos a ser Povo de Deus, a ser Igreja, portadores do amor e da comunhão de Deus por todo o gênero humano (cf. Const. past. Gaudium et spes, 1). 

O DESEJO DE DEUS - CATEQUESE BENTO XVI


O desejo de Deus

O caminho de reflexão que estamos a fazer juntos neste Ano da fé leva-nos hoje a meditar sobre um aspecto fascinante da experiência humana e cristã: o homem leva consigo um desejo misterioso de Deus. De uma forma significativa, o Catecismo da Igreja Católica inicia precisamente com a seguinte consideração: «Desejar a Deus é um sentimento inscrito no coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus. Deus não cessa de atrair o homem a Si e só em Deus é que o homem encontra a verdade e a felicidade que não se cansa de procurar» (n. 27).

Esta afirmação, que também hoje em muitos contextos culturais parece ser totalmente partilhável, quase óbvia, poderia ao contrário parecer uma provocação no âmbito da cultura ocidental secularizada. Com efeito, muitos nossos contemporâneos poderiam objectar que não sentem minimamente tal desejo de Deus. Em amplos sectores da sociedade Ele já não é o esperado, o desejado, mas sim uma realidade que deixa indiferentes, face à qual nem sequer se deve fazer o esforço de se pronunciar. Na realidade, aquele que definimos «desejo de Deus» não desapareceu totalmente e apresenta-se ainda hoje, de muitas formas, ao coração do homem. O desejo humano tende sempre para determinados bens concretos, muitas vezes tudo menos que bens espirituais, e todavia encontra-se face à pergunta acerca do que é deveras «o» bem, e por conseguinte confronta-se com algo que é outra coisa e não é o eu, que o homem não pode construir, mas está chamado a reconhecer. O que pode deveras saciar o desejo do homem?

Na minha primeira encíclica, Deus caritas est, procurei analisar como este dinamismo se realiza na experiência do amor humano, experiência que na nossa época é mais facilmente sentida como momento de êxtase, de sair de si, como lugar no qual o homem sente que é atravessado por um desejo que o supera. Através do amor, o homem e a mulher experimentam de maneira nova, um graças ao outro, a grandeza e a beleza da vida e do real. Se o que experimento não é uma simples ilusão, se deveras quero o bem do outro como caminho também para o meu bem, então devo estar disposto a descentralizar-me, a pôr-me ao seu serviço, até à renúncia de mim mesmo. Por conseguinte, a resposta à questão acerca do sentido da experiência do amor passa através da purificação e da cura do querer, exigida pelo próprio bem que se quer ao outro. Devemos exercitar-nos, treinar-nos, até corrigir-nos, para que aquele bem possa deveras ser querido.

O êxtase inicial traduz-se assim em peregrinação, «êxodo permanente do eu fechado em si mesmo para a sua libertação no dom de si e, precisamente dessa forma, para o reencontro de si mesmo, mais ainda para a descoberta de Deus» (Enc. Deus caritas est, 6). Através deste caminho poderá progressivamente aprofundar-se para o homem o conhecimento daquele amor que inicialmente tinha experimentado. E assim vai-se delineando cada vez mais o mistério que ele representa: de facto, nem sequer a pessoa amada é capaz de saciar o desejo que se aninha no coração humano, aliás, quanto mais autêntico é o amor para o outro, tanto mais ele deixa abrir a interrogação acerca da sua origem e do seu destino, acerca da possibilidade que ele tem de durar para sempre. Por conseguinte, a experiência humana do amor tem em si um dinamismo que remete para além de si mesmo, é experiência de um bem que leva a sair de si e a encontrar-se diante do mistério que envolve toda a existência.

Poder-se-iam fazer também considerações análogas em relação a outras experiências humanas, tais como a amizade, a experiência do que é belo, o amor pelo conhecimento: cada bem experimentado pelo homem tende para o mistério que envolve o próprio homem; cada desejo que se apresenta ao coração humano faz-se eco de um desejo fundamental que nunca é plenamente saciado. Sem dúvida, deste desejo profundo, que esconde também algo de enigmático, não se pode chegar diretamente à fé. O homem, em síntese, conhece bem o que não o sacia, mas não pode imaginar ou definir o que lhe faria experimentar aquela felicidade da qual leva no coração as saudades. Não se pode conhecer Deus só a partir do desejo do homem. Sob este ponto de vista permanece o mistério: o homem é indagador do Absoluto, um indagador que dá passos pequenos e incertos. E contudo, já a experiência do desejo, do «coração inquieto» como lhe chamava santo Agostinho, é bastante significativa. Ela confirma-nos que o homem é, no profundo, um ser religioso (cf. Catecismo da Igreja Católica, 28), um «mendigo de Deus». Podemos dizer com as palavras de Pascal: «O homem supera infinitamente o homem» (Pensamentos, ed. Chevalier 438; ed. Brunschvicg 434). Os olhos reconhecem os objetos quando eles estão iluminados pela luz. Eis por que o desejo de conhecer a própria luz, que faz brilhar as coisas do mundo e com elas acende o sentido da beleza.

Por conseguinte devemos considerar que seja possível também na nossa época, aparentemente tão insensível à dimensão transcendente, abrir um caminho rumo ao autêntico sentido religioso da vida, que mostra como o dom da fé não é absurdo, não é irracional. Seria de grande utilidade, para este fim, promover uma espécie de pedagogia do desejo, quer para o caminho de quem ainda não crê, quer para quem já recebeu o dom da fé. Uma pedagogia que inclui pelo menos dois aspectos. 

Em primeiro lugar, aprender ou voltar a aprender o gosto pelas alegrias autênticas da vida. Nem todas as satisfações produzem em nós o mesmo efeito: algumas deixam uma marca positiva, são capazes de pacificar o ânimo, tornam-nos mais ativos e generosos. Outras, ao contrário, depois da luz inicial, parecem desiludir as expectativas que tinham suscitado e por vezes deixam atrás de si amargura, insatisfação ou um sentido de vazio. Educar desde a tenra idade para saborear as alegrias verdadeiras, em todos os âmbitos da existência — a família, a amizade, a solidariedade com quem sofre, a renúncia ao próprio eu para servir o próximo, o amor ao conhecimento, à arte, às belezas da natureza — tudo isto significa exercer o gosto interior e produzir anticorpos eficazes contra a banalização e o nivelamento hoje difundidos. Também os adultos precisam de redescobrir estas alegrias, de desejar realidades autênticas, purificando-se da mediocridade na qual podem encontrar-se envolvidos. Tornar-se-á então mais fácil deixar cair ou rejeitar tudo o que, mesmo se é aparentemente atraente, ao contrário se revela insípido, fonte de enebriamento e não de liberdade. E isto fará sobressair aquele desejo de Deus do qual estamos a falar.

Um segundo aspecto, que caminha a par com o precedente, é nunca se contentar com aquilo que se alcançou. Precisamente as alegrias mais verdadeiras são capazes de libertar em nós aquela inquietação sadia que leva a ser mais exigentes — querer um bem maior, mais profundo — e ao mesmo tempo sentir com clareza cada vez maior que nada de finito pode colmar o nosso coração. Assim aprenderemos a tender, desarmados, para aquele bem que não podemos construir ou obter com as nossas forças; a não nos deixarmos desencorajar pela fadiga ou pelos obstáculos que provêm do nosso pecado.

A este propósito não devemos esquecer contudo que o dinamismo do desejo está sempre aberto à redenção. Também quando ele se adentra por caminhos desviados, quando persegue paraísos artificiais e parece perder a capacidade de ansiar pelo bem verdadeiro. Também no abismo do pecado não se apaga no homem aquela centelha que lhe permite reconhecer o verdadeiro bem, saboreá-lo, e assim iniciar um percurso de subida, no qual Deus, com o dom da sua graça, nunca deixa faltar a sua ajuda. 

De resto, todos temos necessidade de percorrer um caminho de purificação e de cura do desejo. Somos peregrinos rumo à pátria celeste, rumo àquele bem pleno, eterno, que nada jamais nos poderá extirpar. Por conseguinte, não se trata de sufocar o desejo que se encontra no coração do homem, mas de o libertar, para que possa alcançar a sua verdadeira altura. Quando no desejo se abre a janela em direção a Deus, isto já é sinal da presença da fé no ânimo, fé que é uma graça de Deus. Sempre santo Agostinho afirmava: «Com a expectativa, Deus alarga o nosso desejo, com o desejo alarga o ânimo e dilatando-o torna-o mais capaz» (Comentário à Primeira carta de João, 4, 6; pl 35, 2009).

Nesta peregrinação, sintamo-nos irmãos de todos os homens, companheiros de viagem também de quantos não creem, de quem está à procura, de quem se deixa interrogar com sinceridade pelo dinamismo do próprio desejo de verdade e de bem. Rezemos, neste Ano da fé, para que Deus mostre o seu rosto a quantos o procuram com coração sincero.

OS CAMINHOS PARA CHEGAR AO CONHECIMENTO DE DEUS - CATEQUESE BENTO XVI


Os caminhos para chegar ao conhecimento de Deus

Refletimos sobre o desejo de Deus que o ser humano leva no profundo de si mesmo. Hoje gostaria de continuar a aprofundar este aspecto, meditando brevemente convosco sobre alguns caminhos para chegar ao conhecimento de Deus. Contudo, gostaria de recordar que a iniciativa de Deus precede sempre todas as iniciativas do homem e, também no caminho rumo a Ele, é Ele em primeiro lugar quem nos ilumina, orienta e guia, respeitando sempre a nossa liberdade. E é sempre Ele quem nos faz entrar na sua intimidade, revelando-se e doando-nos a graça para poder acolher esta revelação na fé. Nunca esqueçamos a experiência de santo Agostinho: não somos nós que possuímos a Verdade depois de a termos procurado, mas é a Verdade que nos procura e nos possui.

Todavia, há caminhos que podem abrir o coração do homem ao conhecimento de Deus, sinais que conduzem para Deus. Certamente, com frequência corremos o risco de sermos ofuscados pelo cintilar da vida mundana, que nos torna menos capazes de percorrer tais caminhos ou de ler tais sinais. Contudo, Deus não se cansa de nos procurar, é fiel ao homem que criou e salvou, permanece próximo da nossa vida, porque nos ama. Esta é uma certeza que nos deve acompanhar todos os dias, mesmo se determinadas mentalidades difundidas dificultam que a Igreja e o cristão comuniquem a alegria do Evangelho a cada criatura e levem todos ao encontro com Jesus, único Salvador do mundo. Todavia, esta é a nossa missão, é a missão da Igreja e todos os crentes devem vivê-la jubilosamente, sentindo-a como própria, através de uma existência animada verdadeiramente pela fé, marcada pela caridade, pelo serviço a Deus e aos outros, e capaz de irradiar esperança. Esta missão resplandece sobretudo na santidade para a qual todos somos chamados.

Hoje — sabemo-lo — não faltam dificuldades e provações para a fé, frequentemente pouco compreendida, contestada e rejeitada. São Pedro dizia aos seus cristãos: «Estai sempre prontos a responder, para a vossa defesa, com doçura e respeito, a todo aquele que vos perguntar a razão da vossa esperança» (1 Pd 3, 15). No passado, no Ocidente, numa sociedade considerada cristã, a fé era o âmbito no qual ela se movia; a referência e a adesão a Deus eram, para a maioria das pessoas, parte da vida quotidiana. 

Ao contrário, era quem não acreditava que devia justificar a própria incredulidade. No nosso mundo a situação mudou e cada vez mais o crente deve ser capaz de dizer a razão da sua fé. O beato João Paulo II, na Encíclica Fides et ratio, realçava o modo como a fé é posta à prova também na época contemporânea, atravessada por formas súbtis e capciosas de ateísmo teórico e prático (cf. nn. 46-47). 

A partir do Iluminismo, a crítica à religião intensificou-se; a história foi marcada também pela presença de sistemas ateus, nos quais Deus era considerado uma mera projeção do ânimo humano, uma ilusão e o produto de uma sociedade já alterada por tantas alienações. Depois, o século passado conheceu um forte processo de secularismo, sob a bandeira da autonomia absoluta do homem, considerado como medida e artífice da realidade, mas empobrecido do seu ser criatura «à imagem e semelhança de Deus». 

No nosso tempo verificou-se um fenômeno particularmente perigoso para a fé: de fato, existe uma forma de ateísmo que definimos «prático», no qual não se negam as verdades da fé ou os ritos religiosos, mas simplesmente se consideram irrelevantes para a existência quotidiana, destacadas da vida, inúteis. Então, com frequência, cremos em Deus de modo superficial, e vivemos «como se Deus não existisse» (etsi Deus non daretur). Mas, no final este modo de viver resulta ainda mais destrutivo, porque leva à indiferença à fé e à questão de Deus.

Na realidade, o homem separado de Deus reduz-se a uma só dimensão, a horizontal, e precisamente este reducionismo é uma das causas fundamentais dos totalitarismos que tiveram consequências trágicas no século passado, assim como a crise de valores que vemos na realidade atual. Obscurecendo a referência a Deus obscureceu-se também o horizonte ético, abrindo espaço ao relativismo e confirmando-se uma concepção ambígua da liberdade que em vez de ser liberatória acaba por ligar o homem a ídolos. 

As tentações que Jesus enfrentou no deserto antes da sua missão pública, representam bem aqueles «ídolos» que fascinam o homem, quando não vai além de si mesmo. Se Deus perder a centralidade, o homem perde o seu justo lugar, e não encontra a sua colocação na criação, nas relações com os outros. Não se extinguiu o que a sabedoria antiga evoca com o mito de Prometeu: o homem pensa que pode tornar-se ele mesmo «deus», dono da vida e da morte.

Diante deste quadro, a Igreja, fiel ao mandato de Cristo, nunca cessa de afirmar a verdade sobre o homem e sobre o seu destino. O Concílio Vaticano II afirma sinteticamente que: «O aspecto mais sublime da dignidade humana encontra-se na vocação do homem à união com Deus. Começa com a existência o convite que Deus dirige ao homem para dialogar com Ele: se o homem existe é porque Deus o criou por amor e, por amor, não cessa de o conservar na existência; e o homem não vive plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente este amor e não se entregar inteiramente ao seu criador» (Const. Gaudium et spes, 19).

Então, que respostas está a fé chamada a dar, com «doçura e respeito», ao ateísmo, ao cepticismo, à indiferença pela dimensão vertical, para que o homem do nosso tempo possa continuar a interrogar-se sobre a existência de Deus e a percorrer os caminhos que levam a Ele? Gostaria de mencionar alguns caminhos, que derivam tanto da reflexão natural, como da própria força da fé. Gostaria de os resumir muito sinteticamente em três palavras: o mundo, o homem e a fé.

A primeira: o mundo. Santo Agostinho, que na sua vida procurou a Verdade por muito tempo e foi arrebatado pela Verdade, escreveu uma página lindíssima e célebre, na qual disse: «Perscruta a beleza da terra, do mar, do ar rarefeito e onde quer que se expanda; perscruta a beleza do céu... e todas as realidades. Todas te responderão: olha para nós e vê como somos bonitas. A sua beleza é como um hino de louvor. Ora, estas criaturas tão bonitas, mas também mutáveis, quem as fez se não aquele que é a beleza inalterável? (Sermo 241, 2: PL 38, 1134). Penso que devemos recuperar e fazer recuperar ao homem de hoje a capacidade de contemplar a criação, a sua beleza, a sua estrutura. O mundo não é um magma amorfo, mas quanto mais o conhecemos e descobrimos os seus mecanismos maravilhosos, tanto mais vemos um desígnio, vemos que existe uma inteligência criadora. Albert Einstein disse que nas leis da natureza «se revela uma razão tão superior que toda a racionalidade do pensamento e dos ordenamentos humanos em comparação é um reflexo absolutamente insignificante» (O Mundo como eu o vejo). Portanto, um primeiro caminho que leva à descoberta de Deus é a contemplação da criação com um olhar atento.

A segunda palavra: o homem. É sempre de santo Agostinho a frase célebre com a qual diz que Deus é mais íntimo de mim de quanto eu o seja de mim mesmo (cf. Confissões III, 6, 11). A partir disto ele formulou o convite: «Não saias de ti mesmo, entra em ti mesmo: a verdade habita no homem interior» (De vera religione, 39, 72). Este é outro aspecto que corremos o risco de perder no mundo ruidoso e dispersivo no qual vivemos: a capacidade de refletir, de meditar em profundidade e de detectar aquela sede de infinito que trazemos no íntimo, que nos impele a ir além e nos remete para Alguém que a possa satisfazer. O Catecismo da Igreja Católica afirma: «Com a sua abertura à verdade e à beleza, com o seu sentido do bem moral, com a sua liberdade e a voz da sua consciência, com a sua ânsia de infinito e de felicidade, o homem interroga-se sobre a existência de Deus» (n. 33).

A terceira palavra: a fé. Sobretudo na realidade do nosso tempo, não devemos esquecer que um caminho que leva ao conhecimento e ao encontro com Deus é a vida da fé. Quem crê está unido a Deus, está aberto à sua graça e à força da caridade. Assim a sua existência torna-se testemunho não de si mesmo, mas do Ressuscitado, e a sua fé não teme mostrar-se na vida quotidiana, está aberta ao diálogo que expressa profunda amizade pelo caminho de cada homem, e sabe dar esperança a necessidade de resgate, de felicidade e de futuro. De facto, a fé é encontro com Deus que fala e age na história e que converte a nossa vida diária, transformando a nossa mentalidade, juízos de valor, escolhas e ações concretas. Não é ilusão, fuga da realidade, refúgio cômodo, sentimentalismo, mas é participação de toda a vida e é anúncio do Evangelho, Boa Nova capaz de libertar o homem todo. Um cristão e uma comunidade que sejam ativos e fiéis ao projeto de Deus que nos amou em primeiro lugar, constituem um caminho privilegiado para quantos vivem na indiferença e na dúvida acerca da sua existência e ação. Contudo, isto exige que o testemunho de fé de cada um se torne cada vez mais transparente, purificando a própria vida para que esteja em conformidade com Cristo. 

Hoje muitos têm uma concepção limitada da fé cristã porque a identificam com um mero sistema de crença e de valores e não com a verdade de um Deus que se revelou na história, desejoso de comunicar intimamente com o homem, numa relação de amor com ele. Na realidade, como fundamento de toda a doutrina e valor está o evento do encontro do homem com Deus em Jesus Cristo. O Cristianismo, antes de uma moral ou de uma ética, é o acontecimento do amor, é o acolhimento da pessoa de Jesus. Por isso o cristão e as comunidades cristãs antes de mais devem olhar e fazer olhar para Cristo, o verdadeiro Caminho que leva a Deus.