O SENHOR TE CHAMA


"Gostaria de dizer àqueles e àquelas que se sentem longe de Deus e da Igreja, aos que têm medo ou aos indiferentes:
O Senhor também te chama para seres parte do seu povo, e o faz com grande respeito e amor!" EG, n.113.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Reflexões do Evangelho - de Jo 15,1-8_20,19-23; e Mc 10,28-31;10,32-45

Jo 15,1-8 "Sem mim nada podeis fazer". Que bom depender de Jesus! Que extraordinário saber que temos uma reserva divina de forças; que não dependemos só dos nossos fracos braços. Que maravilha poder dizer: 'Senhor, não olheis os nossos pecados, mas a fé que anima vosso povo'! Com toda minha fragilidade, Senhor, quero estar agarrado a Ti. Quero que Tua seiva inunde minha vida e possa participar da Tua natureza. Que minha vida transmita a Tua para meus irmãos. Amém!

Jo 15,9-11 "Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como eu guardei os mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor". Os mandamentos de Jesus explicitados no evangelho segundo João são: que creiamos no nome dEle e que nos amemos reciprocamente. O mandamento do Pai para Jesus é que não fizesse nada 'por si mesmo'. Vivendo assim Jesus mostrou que amava o Pai. Nosso amor a Jesus é a nossa dependência obediente a Ele e nossa escolha pela fraternidade como estilo de vida. Nisso está nossa chance de experimentar a alegria plena de que fala Jesus. Que o Espírito de Jesus nos dê a compreensão dos seus mandamentos e a força interior para vivê-los!

Jo 15,12-17 "Amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei". Amar do jeito de Jesus! O amor de Jesus não alimenta nossas doenças, ele nos cura. Como amar assim? Precisamos de duas coisas: da cura do coração voltado sobre si e de sermos ensinados a amar. Há em nós um natural amor de posse, disposto a "roubar" o outro para nós. Este amor não basta; ele pode até fazer o mal e, normalmente, o faz. Jesus pede um amor oblativo, disposto a sofrer e perder, se o bem do outro o exigir. A cruz de Cristo é a perfeição desses dois amores: ele dá a vida para nos conquistar para si, porque isso é melhor para nós.

Jo 15,26-16,4a "Expulsar-vos-ão das sinagogas, e virá a hora em que aquele que vos matar julgará estar prestando culto a Deus". Os discípulos experimentam certa estranheza com o mundo. Ser expulso da sinagoga é um fato mais que religioso; é ser considerado fora do povo da promessa, cortado das raízes da eleição. São também tidos como inimigos do bem, da liberdade, da justa ordem. É um preço alto a pagar! Além da luta interior, seguir Jesus supõe a disposição a expor a própria vida, a fama, a consideração dos outros. Senhor, que a tua amizade valha mais para nós que sermos estimados pelos outros! Amém.

Jo 16,20-23a "A mulher, quando deve dar à luz, fica angustiada porque chegou a sua hora; mas, depois que a criança nasceu, ela já não se lembra dos sofrimentos". A imagem que Jesus usa pra falar do sofrimento de seus discípulos é iluminadora: um parto. Quem tem a 'grande esperança' vive esse tempo sob a bem-aventurança dos perseguidos por causa do Reino. Essa é uma palavra pascal, para que vivamos a vida nova em meio ao mundo velho. Fiquemos alegres, nosso Cabeça já nos precedeu na glória do céu, nossa pátria. Um dia nos encontraremos lá, onde não haverá mais dor, mas somente a alegria da comunhão com o 'Inventor da alegria', Jesus

Jo 16,23b-28 "Em verdade, em verdade vos digo: se pedirdes ao Pai alguma coisa em meu nome, ele vo-la dará". Que que dizer pedir 'em meu nome'? É pedir como se fosse ele mesmo a pedir; algo feito nele, por ele e com ele. Na comunhão com Jesus Cristo, participamos daquela 'onipotência suplicante'. O Pai escuta na nossa voz o ecoar da voz de Jesus, a quem ele sempre escuta. Que vamos pedir hoje? Antes de tudo que seja selada nossa união com Cristo, tendo seus sentimentos em nós, organizando nossa vida a partir dos valores dele. Em união com Jesus, vamos pedir com a liberdade e a confiança de filhos. Depois vamos pedir que venha o Reino, isto é, que seja derramado sobre todos o Espírito!

Jo 16,29-33 "No mundo, tereis tribulações. Mas tende coragem! Eu venci o mundo!”. Que quer dizer que Jesus tenha vencido o mundo? A vitória de Jesus é a obediência ao Pai e o amor até o fim. Ele venceu a tentação de Adão de ser providência para si mesmo, numa autonomia individualista. Ele venceu o desânimo que a canseira do amor dá: amou-nos até o fim. A vitória de Jesus foi decretada pelo Pai que o ressuscitou. Nossa coragem é alimentada pela fé em Jesus, que ele fez as escolhas adequadas, ensinando-nos que o caminho que vence não é o do enfrentamento, mas do amor obediente e disposto a 'morrer' pra produzir fruto. Supliquemos que o Espírito venha em auxílio de nossa fraqueza, não permitindo que as tribulações do mundo velho sufoquem a novidade que já começou em nós.

Jo 17,11-19 "Não te peço que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno". Jesus está em oração pelos discípulos, por nós. Que quer dizer 'não tirar do mundo'? Não separar os seus, não isolá-los. Afinal, o mundo é o campo da missão dos discípulos de Jesus. O que a alma é para o corpo, são os cristãos no mundo. São chamados a animá-lo. Somos chamados a conviver com quem pensa e vive diferente de nós, sem exigir que, contra sua liberdade, aceitem algum estilo de vida. Por outro lado, nos sentimos livres para viver nosso específico. Por que Jesus pede que o Pai nos guarde do maligno? Esse é o mesmo pedido do 'Pai-nosso': 'livra-nos do mal!'. Que o mal não nos tome o interior, nem nos oprima de fora. Se o mal nos dominar, seremos sal sem sabor, luz escondida. Jesus sabe que seremos tentados, mas pede que sejamos feitos livres do mal, consagrados à Verdade, que é Jesus mesmo, a Palavra que o Pai nos deu. 

Jo 17,20-26 “QUE TODOS SEJAM UM!”. Jesus ora ao Pai. Ele roga por nós. O que pede? Nossa unidade. O cristianismo exige um esvaziamento, exige abrir mão da pretensão de bastar-se. Isso choca os “adultos” autossuficientes. O cristianismo, por sua natureza, traz um escândalo: Jesus crucificado, ícone da vida cuja fecundidade passa pela entrega, o ganho que exige perda. A esse escândalo não podemos nós ajuntar outros, como é o caso da nossa falta de unidade. Em qualquer nível que faltar a solidariedade será sempre escandaloso e contrário ao projeto do Pai de que sejamos “um”. Pode acontecer este escândalo na falta de solidariedade entre o casal, na família, nas comunidades cristãs, no trabalho. Onde a luta por um lugar ao sol, para a autoafirmação for mais forte que a busca da comunhão, aí está o pecado. Somos tentados a nos distinguir. O fato de sermos humanos é a base para qualquer outra definição. Nossa pertença a esse grupo de humanos já deve nos gerar uma corresponsabilidade. Temos uma solidariedade profunda. O pecado nos faz sentir separados. A unidade dos cristãos é o sacramento do que Deus quer para toda a humanidade. Sejamos conciliadores, pessoas do bem, capazes de diálogo. Admitamos que pensem e vivam diferente de nós. Que sejamos um!

Jo 21,15-19 “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?” Pedro respondeu: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo”. A pergunta sobre o amor é a mais comprometedora que existe; é uma pergunta incômoda. A resposta nos define: de alguma forma somos o que amamos. Tu me amas? Quem faz essa pergunta, corre algum risco; a resposta não é óbvia. Sintamo-nos diante desta indagação de Jesus. A resposta definirá o tipo de existência que escolhemos: cristocêntrica ou egocêntrica. O amor a Jesus corresponde à fé nele, à obediência a ele. A resposta de Pedro não é pretensiosa, ela apela ao que Jesus sabe desse amor: limitado, com seus medos e inseguranças. Pedro não deixou a pergunta sem resposta.

Jo 21,20-25 "Este é o discípulo que dá testemunho dessas coisas e que as escreveu; e sabemos que o seu testemunho é verdadeiro". Nossa fé se apóia no testemunho dos apóstolos. O que eles viram, ouviram e tocaram do Verbo da Vida - o que receberam diretamente de Jesus -, tornou-se o conteúdo da nossa esperança. A Igreja está fundada no testemunho dos Apóstolos. Nossa gratidão pela fé recebida e dócil acolhida daqueles que, na comunidade cristã, nos confirmam na fé. Quem atesta para mim que o testemunho do Apóstolo é verdadeiro? O Espírito Santo através da Igreja. "Concedei-nos, Deus todo-poderoso, conservar sempre em nossa vida e nossas ações a alegria das festas pascais que estamos para encerrar" Essa é a experiência do amor perfeito é a experiência com o Espírito Santo. A experiência com Espírito Santo exige a entrega dócil da própria vida para que Deus mande em nós. No fundo é a disposição à obediência da fé.

Jo 20,19-23 "Depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: 'Recebei o Espírito Santo'". Aquele a quem o Pai encheu do Espírito, ressuscitando-o dos mortos, torna-se doador do Espírito. O sopro de Jesus é a renovação do sopro original de Deus criador que faz do 'barro', um ser vivente. O sopro de Jesus faz da fragilidade dos discípulos, homens destemidos, testemunhas que amam mais a Deus que a própria vida. O que aconteceu? Experimentaram o Amor no nível mais perfeito, que é a divina pessoa do Espírito Santo. Hoje suplicamos que o Espírito renove a Igreja, renove nossa vida, que experimentemos seu fruto: amor, alegria, paz, paciência, bondade...

Mc 10,28-31 "Em verdade vos digo, quem tiver deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos, campos, por causa de mim e do Evangelho...". O cristianismo exige, na sua essência, uma atitude de 'deixar', uma disposição da criatura que é participar da aventura da cruz, aquele vazio onde só resta a fé. Afinal, não existe outra alternativa na existência cristã, senão a existência cruciforme. Essa existência consiste na aposta crente de que a vida de Jesus é a existência completa, a forma original que foi por nós oferecida, mas também a nós oferecida como única chance de plena realização do humano. Quem 'deixar', experimentará a Páscoa: agora com perseguição, depois na saciedade.

Mc 10,32-45 "Entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande seja vosso servo". Assim como? Como os que 'oprimem' e 'tiranizam'. O servo é o que está à disposição: que lava os pés, que serve à mesa e fica de prontidão para o serviço. Veja que no Reino não são os mais simples que servem, não são os pequenos que cedem o lugar; a lógica do Reino inverte a normalidade. Na novidade do Reino, os relacionamentos são 'crucificados' para que sejam renovados na medida de Jesus, o servo. Não há espaço para a carteirada. Se há alguma voz a se levantar, deverá ser: 'quem serve aqui sou eu!'. Esse tipo de transformação não acontece por pressão da base, mas por um retorno de todos à forma de vida do Nazareno com seus seguidores, nas periferias da Galileia, abertos à possibilidade da cruz que os espera em Jerusalém, cidade que mata os profetas.
 Fonte: Pe. José Otácio 



terça-feira, 5 de maio de 2015

O matrimônio consagrado por Deus preserva o vínculo entre o homem e a mulher que Deus abençoou desde a criação do mundo; e é manancial de paz e de bem para toda a vida conjugal e familiar.

PAPA FRANCISCO
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 29 de Abril de 2015

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
Depois de ter considerado as duas narrações do Livro do Gênesis, agora a nossa reflexão acerca do desígnio originário de Deus sobre o casal homem-mulher dirige-se diretamente a Jesus.
No início do seu Evangelho, o evangelista João narra o episódio das bodas de Caná, nas quais estavam presentes a Virgem Maria e Jesus, com os seus primeiros discípulos (cf. Jo 2, 1-11). Jesus não só participou naquele matrimônio, mas «salvou a festa» com o milagre do vinho! Portanto, Ele realizou o primeiro dos seus sinais prodigiosos, com o qual revela a sua glória, no contexto de um casamento, e foi um gesto de grande simpatia por aquela família nascente, solicitado pelos cuidados maternos de Maria. Isto faz-nos recordar o livro do Gênesis, quando Deus conclui a obra de criação e faz a sua obra-prima; a sua obra-prima é o homem e a mulher. E aqui Jesus começa os seus milagres, precisamente com esta obra-prima, num casamento, numa festa de núpcias: um homem e uma mulher. Assim, ensina que a obra-prima da sociedade é a família: o homem e a mulher que se amam. Esta é a obra-prima!
Desde a época das bodas de Caná muitas coisas mudaram, mas aquele «sinal» de Cristo contém uma mensagem sempre válida.
Hoje não parece fácil falar do matrimônio como de uma festa que se renova no tempo, nas várias fases da vida inteira dos cônjuges. É uma realidade que as pessoas se casam cada vez menos; é real: os jovens não querem casar. Por outro lado, em muitos países aumenta o número de separações, e diminui o número de filhos. A dificuldade de permanecer unidos — quer como casal, quer como família — leva a interromper os vínculos com frequência e rapidez cada vez maiores, e são precisamente os filhos os primeiros a sofrer as consequências. Mas devemos pensar nisto, as primeiras vítimas, as vítimas mais importantes, as vítimas que mais padecem numa separação são os filhos. Se alguém experimenta desde a infância que o matrimônio é um vínculo «temporário», inconscientemente para esta pessoa será assim. Com efeito, muitos jovens são impelidos a renunciar ao próprio programa de um vínculo irrevogável e de uma família duradoura. Acho que devemos meditar com grande seriedade sobre o motivo pelo qual tantos jovens «não estão dispostos» a casar. Existe uma cultura do provisório... tudo é provisório, parece que não existe algo definitivo.
Uma das preocupações que sobressaem nos dias de hoje é a dos jovens que não querem casar: por que razão os jovens não se casam? Por que motivo, muitas vezes, preferem uma convivência, «com uma responsabilidade limitada»? Por que muitos — inclusive entre os batizados — têm pouca confiança no matrimônio e na família? É importante procurarmos compreender, se quisermos que os jovens encontrem o caminho reto para seguir. Por que razão não têm confiança na família?
As dificuldades não são apenas de natureza econômica, embora elas sejam verdadeiramente sérias. Muitos julgam que a mudança ocorrida nestas últimas décadas foi causada pela emancipação da mulher. Mas nem sequer este argumento é válido, é falso, não é verdade! Trata-se de uma forma de machismo, que quer sempre dominar a mulher. Nós fazemos a má figura que fez Adão, quando Deus lhe disse: «Por que motivo comeste o fruto da árvore», e ele retorquiu: «Foi a mulher que mo deu». E a culpa é da mulher. Coitada da mulher! Devemos defender as mulheres! Na realidade, quase todos os homens e mulheres gostariam de ter uma segurança afetiva estável, um matrimônio sólido e uma família feliz. A família ocupa o primeiro lugar em todos os índices de agradabilidade entre os jovens; contudo, pelo receio de errar, muitos nem sequer desejam pensar nisto; não obstante sejam cristãos, não pensam no matrimônio sacramental, sinal singular e irrepetível da aliança, que se torna testemunho de fé. Talvez precisamente este medo de fracassar seja o maior obstáculo para receber a palavra de Cristo, que promete a sua graça à união conjugal e à família.
O testemunho mais persuasivo da bênção do matrimônio cristão é a vida boa dos esposos cristãos e da família. Não há modo melhor para transmitir a beleza do Sacramento! O matrimônio consagrado por Deus preserva o vínculo entre o homem e a mulher que Deus abençoou desde a criação do mundo; e é manancial de paz e de bem para toda a vida conjugal e familiar. Por exemplo, nos primeiros tempos do Cristianismo, esta grande dignidade do vínculo entre o homem e a mulher debelou um abuso então considerado totalmente normal, ou seja, o direito que os maridos tinham de repudiar as esposas, até pelos motivos mais pretensiosos e humilhantes. O Evangelho da família, o Evangelho que anuncia precisamente este Sacramento derrotou a cultura do repúdio habitual.
Hoje, a semente cristã da igualdade radical entre os cônjuges deve dar novos frutos. O testemunho da dignidade social do matrimônio tornar-se-á persuasivo precisamente deste modo, pela via do testemunho que atrai, pela senda da reciprocidade e da complementaridade entre si.
Por isso, como cristãos, devemos tornar-nos mais exigentes a este propósito. Por exemplo: defender com determinação o direito à igual remuneração por um trabalho igual; por que razão se dá por certo que as mulheres devem ganhar menos do que os homens? Não! Têm os mesmos direitos! A desigualdade é um puro escândalo! Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer como riqueza sempre válida a maternidade das mulheres e a paternidade dos homens, sobretudo em benefício dos filhos. De igual modo, hoje em dia a virtude da hospitalidade das famílias cristãs tem uma importância crucial, especialmente em situações de pobreza, de degradação e de violência familiar.
Caros irmãos e irmãs, não tenhamos medo de convidar Jesus para as bodas, de o convidar para vir à nossa casa, a fim de permanecer ao nosso lado e preservar a família. E não tenhamos receio de convidar também a sua Mãe Maria! Quando se casam «no Senhor», os cristãos são transformados num sinal eficaz do amor de Deus. Os cristãos não se casam exclusivamente para si mesmos: casam no Senhor, a favor de toda a comunidade, da sociedade inteira.

Também na próxima catequese falarei sobre esta bonita vocação do matrimônio cristão.

Devemos restituir a honra ao matrimônio e à família! A Bíblia diz algo muito bonito: o homem encontra a mulher; eles encontram-se e o homem deve deixar algo para a encontrar plenamente. Por isso, o homem deixará o seu pai e a sua mãe para ir ao encontro da mulher. É bonito!

PAPA FRANCISCO
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 22 de Abril de 2015

Prezados irmãos e irmãs!
Na precedente catequese sobre a família, meditei sobre a primeira narração da criação do ser humano, no primeiro capítulo do Gênesis, onde está escrito: «Deus criou o homem à sua imagem, à sua imagem Deus criou-os; criou-os varão e mulher» (1, 27).
Hoje gostaria de completar a reflexão com a segunda narração, que encontramos no capítulo 2. Ali lemos que o Senhor, depois de ter criado o céu e a terra, «plasmou, pois, o homem do barro da terra, soprou nas suas narinas o fôlego da vida, e o homem tornou-se um ser vivo» (2, 7). É o ápice da criação. Mas falta algo: em seguida, Deus coloca o homem num lindo jardim, para que o cultive e preserve (cf. 2, 15).
O Espírito Santo, que inspirou a Bíblia inteira, sugere por um momento a imagem do homem só — falta-lhe algo — sem a mulher. E sugere o pensamento de Deus, quase o sentimento de Deus que o vê, que observa Adão sozinho no jardim: é livre, é senhor... mas está sozinho. E Deus vê que isto «não é bom»: é como uma falta de comunhão, falta-lhe uma comunhão, há uma falta de plenitude. «Não é bom» — diz Deus — e acrescenta: «quero oferecer-lhe uma ajuda que lhe seja adequada» (2, 18).
Então, Deus apresenta ao homem todos os animais; o homem dá um nome a cada um deles — e esta é outra imagem do senhorio do homem sobre a criação — mas em nenhum animal encontra alguém semelhante a si mesmo. O homem continua sozinho. Quando, finalmente, Deus apresenta a mulher, o homem reconhece exultante que aquela criatura — e somente aquela — faz parte dele: «osso dos meus ossos, carne da minha carne» (2, 23). Finalmente há um reflexo, uma reciprocidade. Quando uma pessoa — trata-se de um exemplo para compreender bem isto — quer dar a mão à outra, deve tê-la diante de si: se alguém dá a mão, mas não há ninguém à sua frente, a mão permanece ali... falta-lhe a reciprocidade. Assim era o homem, pois faltava-lhe algo para alcançar a sua plenitude, faltava-lhe a reciprocidade. A mulher não é uma «réplica» do homem; ela deriva diretamente do gesto criador de Deus. A imagem da «costela» não exprime de modo algum uma inferioridade ou subordinação mas, pelo contrário, que o homem e a mulher são da mesma substância, são complementares, e que também possuem esta reciprocidade. E a constatação de que — ainda na parábola — Deus plasma a mulher enquanto o homem dorme ressalta precisamente que ela não é de modo algum uma criatura do homem, mas de Deus. E sugere também algo mais: para encontrar a mulher — e, podemos dizer, para encontrar o amor na mulher — o homem deve primeiro sonhá-la e depois encontrá-la.
A confiança que Deus tem no homem e na mulher, aos quais confia a terra, é generosa, direta e completa. Confia neles. No entanto, eis que o maligno introduz na sua mente a suspeita, a incredulidade e a desconfiança. Enfim, chega a desobediência ao mandamento que os salvaguardava. Eles caem naquele delírio de omnipotência que polui tudo e destrói a harmonia. Também nós o sentimos dentro de nós muitas vezes, todos!
O pecado gera desconfiança e divisão entre o homem e a mulher. A sua relação será ameaçada por mil formas de prevaricação e de subjugação, de sedução enganadora e de prepotência humilhante, até às mais dramáticas e violentas. A história tem em si os vestígios disto. Pensemos, por exemplo, nos excessos negativos das culturas patriarcais. Pensemos nas múltiplas formas de machismo, quando a mulher era considerada de segunda classe. Pensemos na instrumentalização e comercialização do corpo feminino na cultura mediática contemporânea. Mas pensemos inclusive na recente epidemia de desconfiança, de cepticismo e até de hostilidade, que se propaga na nossa cultura — de maneira particular, a partir de uma compreensível desconfiança das mulheres — a propósito de uma aliança entre o homem e a mulher, que seja capaz de aperfeiçoar a intimidade da comunhão e, ao mesmo tempo, de salvaguardar a dignidade da diferença.
Se não encontrarmos um sobressalto de simpatia por esta aliança, capaz de proteger as novas gerações contra a desconfiança e a indiferença, os filhos virão ao mundo cada vez mais desenraizados da mesma, desde o ventre materno. A desvalorização social da aliança estável e generativa do homem e da mulher é sem dúvida uma perda para todos. Devemos restituir a honra ao matrimônio e à família! A Bíblia diz algo muito bonito: o homem encontra a mulher; eles encontram-se e o homem deve deixar algo para a encontrar plenamente. Por isso, o homem deixará o seu pai e a sua mãe para ir ao encontro da mulher. É bonito! Isto significa começar a percorrer um novo caminho. O homem é todo para a mulher, e a mulher é inteiramente para o homem.
Por conseguinte, a preservação desta aliança entre o homem e a mulher, embora sejam pecadores e feridos, estejam confundidos e humilhados, desanimados e incertos, é para nós crentes uma vocação exigente e cheia de paixão nas condições de hoje. A mesma narração da criação e do pecado, na sua conclusão, confia-nos um ícone muito bonito: «O Senhor Deus fez vestes de pele para Adão e para a sua mulher, e vestiu-os» (Gn 3, 21). Trata-se de uma imagem de ternura em relação àquele casal de pecadores, que nos deixa boquiabertos: a ternura de Deus pelo homem e pela mulher! É uma imagem de guarda paternal do casal humano. É o próprio Deus quem cuida e salvaguarda a sua obra-prima!
Fonte: © Copyright - Libreria Editrice Vaticana

A catequese de hoje é dedicada a um aspecto central do tema da família: o grande dom que Deus ofereceu à humanidade com a criação do homem e da mulher, e com o sacramento do matrimônio.

PAPA FRANCISCO
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 15 de Abril de 2015
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
A catequese de hoje é dedicada a um aspecto central do tema da família: o grande dom que Deus ofereceu à humanidade com a criação do homem e da mulher, e com o sacramento do matrimônio. Esta catequese e a próxima serão dedicadas à diferença e à complementaridade entre o homem e a mulher, que estão no ápice da criação divina; depois, nas duas que se seguirão, serão abordados outros temas do Matrimônio.
Comecemos com um breve comentário à primeira narração da criação, contida no Livro do Gênesis. Ali lemos que Deus, depois de ter criado o universo e todos os seres vivos, criou a obra-prima, isto é o ser humano, e fê-lo à sua própria imagem: «Criou-o à imagem de Deus; criou-os varão e mulher» (Gn 1, 27), assim reza o Livro do Gênesis.
E como todos nós sabemos, a diferença sexual está presente em muitas formas de vida, na longa escala dos seres vivos. Mas unicamente no homem e na mulher ela tem em si a imagem e a semelhança de Deus: o texto bíblico repete-o três vezes, em dois versículos (26-27): homem e mulher são imagem e semelhança de Deus. Isto diz-nos que não apenas o homem em si mesmo é imagem de Deus, não só a mulher em si mesma é imagem de Deus, mas também o homem e a mulher, como casal, são imagem de Deus. A diferença entre homem e mulher não é para a contraposição, nem para a subordinação, mas para a comunhão e a geração, sempre à imagem e semelhança de Deus.
É a experiência que no-lo ensina: para se conhecer bem e crescer harmoniosamente, o ser humano tem necessidade da reciprocidade entre homem e mulher. Quando isto não se verifica, as consequências são evidentes. Somos feitos para nos ouvir e ajudar reciprocamente. Podemos dizer que sem o enriquecimento mútuo neste relacionamento — no pensamento e na ação, nos afetos e no trabalho, mas também na fé — os dois não conseguem nem sequer entender até ao fundo o que significa ser homem e mulher.
A cultura moderna e contemporânea abriu novos espaços, outras liberdades e renovadas profundidades para o enriquecimento da compreensão desta diferença. Mas introduziu inclusive muitas dúvidas e um grande cepticismo. Por exemplo, pergunto-me se a chamada teoria do gender não é também expressão de uma frustração e resignação, que visa cancelar a diferença sexual porque já não sabe confrontar-se com ela. Sim, corremos o risco de dar um passo atrás. Com efeito, a remoção da diferença é o problema, não a solução. Ao contrário, para resolver as suas problemáticas de relação, o homem e a mulher devem falar mais entre si, ouvir-se e conhecer-se mais, amar-se mais. Devem tratar-se com respeito e cooperar com amizade. Só com estas bases humanas, sustentadas pela graça de Deus, é possível programar a união matrimonial e familiar para a vida inteira. O vínculo matrimonial e familiar é algo sério, e para todos, não apenas para os crentes. Gostaria de exortar os intelectuais a não desertar este tema, como se fosse secundário para o compromisso a favor de uma sociedade mais livre e mais justa.
Deus confiou a terra à aliança do homem e da mulher: a sua falência torna árido o mundo dos afetos e ofusca o céu da esperança. Os sinais já são preocupantes, como podemos ver. Gostaria de indicar, entre muitos, dois pontos que na minha opinião devem comprometer-nos com maior urgência.
Primeiro. É indubitável que devemos fazer muito mais a favor da mulher, se quisermos dar nova força à reciprocidade entre homens e mulheres. Com efeito, é necessário que a mulher não seja só mais ouvida, mas que a sua voz tenha um peso real, uma autoridade reconhecida tanto na sociedade como na Igreja. O próprio modo como Jesus considerava a mulher num contexto menos favorável que o nosso, porque naquela época a mulher ocupava realmente o segundo lugar, e Jesus considerou-a de uma maneira que lança uma luz poderosa, que ilumina um caminho que vai longe, do qual percorrermos apenas um breve trecho. Ainda não entendemos em profundidade aquilo que nos pode proporcionar o gênio feminino, o que a mulher pode oferecer à sociedade e também a nós: a mulher sabe ver tudo com outros olhos, que completam o pensamento dos homens. Trata-se de uma senda que devemos percorrer com mais criatividade e audácia.
Uma segunda reflexão diz respeito ao tema do homem e da mulher criados à imagem de Deus. Pergunto-me se a crise de confiança colectiva em Deus, que nos causa tantos males, nos faz adoecer de resignação à incredulidade e ao cinismo, não esteja também relacionada com a crise da aliança entre homem e mulher. Com efeito, a narração bíblica, com o grande afresco simbólico no paraíso terrestre e o pecado original, diz-nos precisamente que a comunhão com Deus se reflete na comunhão do casal humano e a perda da confiança no Pai celeste gera divisão e conflito entre homem e mulher.

Eis a grande responsabilidade da Igreja, de todos os crentes, e antes de tudo das famílias crentes, para redescobrir a beleza do desígnio criador que inscreve a imagem de Deus também na aliança entre o homem e a mulher. A terra enche-se de harmonia e de confiança quando a aliança entre homem e mulher é vivida no bem. E se o homem e a mulher a procuram juntos entre si e com Deus, sem dúvida encontram-na. Jesus encoraja-nos explicitamente ao testemunho desta beleza que é a imagem de Deus.
Fonte: © Copyright - Libreria Editrice Vaticana

“Deixai vir a mim estas criancinhas e não as impeçais, porque o Reino dos céus é para aqueles que se lhe assemelham!”. E, depois de lhes impor as mãos, continuou pelo seu caminho» (Mt 19, 13-15).

PAPA FRANCISCO
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 8 de Abril de 2015

Caros irmãos e irmãs, bom dia!
Nas catequeses sobre a família, hoje completamos a reflexão sobre as crianças, que são o fruto mais bonito da bênção que o Criador concedeu ao homem e à mulher. Já pudemos falar sobre o grande dom que são as crianças, e hoje infelizmente devemos falar sobre as «histórias de paixão» que muitas delas vivem.
Desde o início, numerosas crianças são rejeitadas, abandonadas e subtraídas à sua infância e ao seu futuro. Alguns ousam dizer, como que para se justificar, que foi um erro tê-las feito vir ao mundo. Isto é vergonhoso! Por favor, não descarreguemos as nossas culpas sobre as crianças! Elas nunca são «um erro». A sua fome não é um erro, como não o é a sua pobreza, a sua fragilidade, o seu abandono — muitas crianças abandonadas pelas ruas; e não o é nem sequer a sua ignorância, ou a sua incapacidade — numerosas crianças que não sabem o que é uma escola. Eventualmente, estes são motivos para as amar mais, com maior generosidade. Que fazemos das solenes declarações dos direitos do homem e dos direitos da criança, se depois punimos as crianças pelos erros dos adultos?
Quantos têm a tarefa de governar e educar, mas diria todos nós adultos, somos responsáveis pelas crianças e por fazer cada qual o que pode para mudar esta situação. Refiro-me à «paixão» das crianças. Cada criança marginalizada, abandonada, que vive pelas ruas a pedir esmola com todos os tipos de expedientes, sem ir à escola, sem cuidados médicos, é um clamor que sobe até Deus e acusa o sistema que nós, adultos, construímos. E infelizmente estas crianças são presas dos criminosos, que as exploram para tráficos ou comércios indignos, ou que as treinam para a guerra e a violência. Mas também nos países chamados ricos muitas crianças vivem dramas que as marcam de maneira pesada, por causa da crise da família, dos vazios educativos e de condições de vida por vezes desumanas. Contudo, são infâncias violadas no corpo e na alma. Mas nenhuma destas crianças é esquecida pelo Pai que está nos céus! Nenhuma das suas lágrimas deve ser perdida! Como não se pode extraviar a nossa responsabilidade, a responsabilidade social das pessoas, de cada um de nós e dos países.
Certa vez, Jesus repreendeu os seus discípulos porque afastavam as crianças que os pais lhe traziam para ser abençoadas. A narração evangélica é comovedora: «Foram-lhe, então, apresentadas algumas criancinhas para que lhes impusesse as mãos e orasse por elas. Os discípulos, porém, afastavam-nas. Disse-lhes então Jesus: “Deixai vir a mim estas criancinhas e não as impeçais, porque o Reino dos céus é para aqueles que se lhe assemelham!”. E, depois de lhes impor as mãos, continuou pelo seu caminho» (Mt 19, 13-15). Como são bonitas esta confiança dos pais e a resposta de Jesus! Como gostaria que esta página se tornasse a história normal de todas as crianças! É verdade que, graças a Deus, as crianças com graves dificuldades têm muitas vezes pais extraordinários, prontos a qualquer sacrifício e e generosidade! Mas estes pais não deveriam ser abandonados a si mesmos! Deveríamos acompanhá-los nas suas canseiras, mas também oferecer-lhes momentos de alegria compartilhada e de júbilo descontraído, para que não se ocupem unicamente da rotina terapêutica.
Contudo, quando se trata de crianças não se deveriam ouvir aquelas fórmulas oficiais de defesa legal, como por exemplo: «Em última análise, não somos uma entidade de beneficência»; ou então: «Na vida particular, cada um é livre de fazer o que quiser»; ou ainda: «Lamentamos, mas nada podemos fazer». Estas palavras não são úteis, quando se trata de crianças.
Muitas vezes recaem sobre as crianças os efeitos de vidas desgastadas por um trabalho precário e mal pago, por horários insustentáveis, por transportes ineficazes... Mas as crianças pagam também o preço de uniões imaturas e de separações irresponsáveis: elas são as primeiras vítimas; padecem os resultados da cultura dos direitos subjetivos exasperados e depois tornam-se os seus filhos mais precoces. Absorvem frequentemente violências que não são capazes de «liquidar» e, aos olhos dos adultos, são obrigados a habituar-se à degradação.
Inclusive nesta nossa época, como no passado, a Igreja põe a sua maternidade ao serviço das crianças e das suas famílias. Aos pais e aos filhos deste nosso mundo leva a bênção de Deus, a ternura materna, a reprovação firme e a condenação decidida. Não se brinca com as crianças!
Pensai no que seria uma sociedade que decidisse, de uma vez para sempre, estabelecer este princípio. É verdade que não somos perfeitos, e que cometemos muitos erros. Mas quando se trata de crianças que vêm ao mundo, nenhum sacrifício dos adultos será julgado demasiado oneroso ou grande, contanto que se evite que uma criança chegue a pensar que é um erro, que não vale nada e que está abandonada às feridas da vida e à prepotência dos homens». Como seria bonita uma sociedade assim! Digo que a tal sociedade muitos dos seus inúmeros erros seriam perdoados. Verdadeiramente muitos!
O Senhor julga a nossa vida, ouvindo aquilo que lhe dizem os anjos das crianças, anjos que «contemplam sem cessar a face do Pai que está nos céus» (cf. Mt 18, 10). Perguntemo-nos sempre: que dirão de nós a Deus, estes anjos das crianças?
Fonte: © Copyright - Libreria Editrice Vaticana.

Jesus convida os seus discípulos a «tornar-se como as crianças», pois é «a quantos são como elas que pertence o Reino de Deus» (cf. Mt 18, 3; Mc 10, 14).

PAPA FRANCISCO
AUDIÊNCIA GERAL
Praça São Pedro
Quarta-feira, 18 de Março de 2015
Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
Depois de ter passado em revista as diversas figuras da vida familiar — mãepaifilhosirmãos e avós — gostaria de concluir esta primeira série de catequeses sobre a família, falando das crianças. Fá-lo-ei em dois momentos: hoje, meditarei sobre a grande dádiva que elas são para a humanidade — é verdade, são um dom grandioso para a humanidade, mas são também as grandes excluídas, porque nem sequer as deixam nascer — e proximamente falarei sobre algumas feridas que infelizmente prejudicam a infância. Vêm-me ao pensamento as numerosas crianças que encontrei durante a minha última viagem à Ásia: cheias de vida e entusiasmo e, por outro lado, vejo que no mundo muitas vivem em condições indignas... Com efeito, pode-se julgar a sociedade pelo modo como as crianças são tratadas, e não só moral mas também sociologicamente, se é uma sociedade livre ou escrava de interesses internacionais.
Em primeiro lugar, as crianças recordam-nos que todos, nos primeiros anos de vida, somos totalmente dependentes dos cuidados e da benevolência dos outros. E o Filho de Deus não evitou esta passagem. É o mistério que contemplamos todos os anos, no Natal. O Presépio é o ícone que nos comunica tal realidade do modo mais simples e direto. Mas é curioso: Deus não tem dificuldade de se fazer entender pelas crianças, e as crianças não têm problemas em compreender Deus. Não é por acaso que no Evangelho Jesus profere palavras muito bonitas e fortes sobre os «pequeninos». Este termo, «pequeninos», indica todas as pessoas que dependem da ajuda dos outros e, de modo especial, as crianças. Por exemplo, Jesus diz: «Bendigo-te, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos, revelando-as aos pequeninos» (Mt 11, 25). E acrescenta: «Guardai-vos de menosprezar um só destes pequeninos, porque Eu vos digo que os seus anjos no céu contemplam sem cessar a face do meu Pai que está nos céus» (Mt 18, 10).
Assim, as crianças são em si uma riqueza para a humanidade e também para a Igreja, porque nos chamam constantemente à condição necessária para entrar no Reino de Deus: a de não nos considerarmos auto-suficientes, mas necessitados de ajuda, de amor, de perdão. E todos nós precisamos de ajuda, de amor, de perdão!
As crianças recordam-nos mais uma bonita realidade; recordam-nos que somos sempre filhos: até quando nos tornamos adultos, ou mesmo quando somos pais ou desempenhamos funções de responsabilidade, por detrás de tudo isto permanece a identidade de filhos. Todos nós somos filhos. E isto recorda-nos sempre que a vida não no-la damos sozinhos, mas recebemo-la. O grande dom da vida é o primeiro presente que recebemos. Às vezes corremos o risco de viver esquecidos disto, como se nós fôssemos os senhores da nossa existência mas, ao contrário, somos radicalmente dependentes. Na realidade, é motivo de profunda alegria sentir que em todas as fases da vida, em cada situação e condição social, somos e permanecemos filhos. Esta é a mensagem principal que as crianças nos transmitem com a sua própria presença: só com a sua presença já nos recordam que cada um e todos somos filhos.
Mas há muitos dons e riquezas que as crianças oferecem à humanidade. Recordo apenas alguns deles.
Dão-lhe o seu modo de ver a realidade, com um olhar confiante e puro. A criança tem uma confiança espontânea no seu pai e na sua mãe; uma confiança espontânea em Deus, em Jesus, em Nossa Senhora. Ao mesmo tempo, o seu olhar interior é puro, ainda não poluído pela malícia, pelas ambiguidades, pelas «incrustações» da vida que endurecem o coração. Sabemos que até as crianças têm em si o pecado original, com os seus egoísmos, mas conservam uma pureza e uma simplicidade interior. E as crianças não são diplomáticas: dizem o que sentem, o que vêem, diretamente. E muitas vezes põem os pais em dificuldade, dizendo diante de outras pessoas: «Não gosto disto, isto é feio!». Mas as crianças dizem o que vêem, não são pessoas ambíguas, ainda não aprenderam a ciência da duplicidade que nós adultos, infelizmente, aprendemos.
Além disso, as crianças — na sua simplicidade interior — têm em si a capacidade de receber e dar ternura. Ternura significa ter um coração «de carne» e não «de pedra», como diz a Bíblia (cf. Ez 36, 26). A ternura é também poesia: é «sentir» as situações e os eventos, sem os tratar como meros objetos, só para os usar, porque servem...
As crianças têm a capacidade de sorrir e de chorar. Algumas, quando pego nelas ao colo para as abraçar, sorriem; outras, quando me vêem vestido de branco, pensam que sou o médico que vim para lhes dar a vacina, e choram... mas espontaneamente! As crianças são assim: sorriem e choram, duas situações que em nós, adultos, com frequência se bloqueiam»; já não somos capazes... Muitas vezes o nosso sorriso torna-se de papelão, sem vida, um sorriso que não é vivaz, um sorriso artificial, de palhaço. As crianças sorriem e choram espontaneamente. Depende sempre do coração, e muitas vezes é o nosso coração que se bloqueia e perde a capacidade de sorrir e de chorar. E então, as crianças podem ensinar-nos novamente a sorrir e a chorar. Mas nós devemos perguntar: sorrio espontaneamente, com vivacidade, com amor, ou o meu sorriso é artificial? Ainda choro, ou perdi a capacidade de chorar? Duas perguntas muito humanas, que as crianças nos ensinam.
Por todos estes motivos, Jesus convida os seus discípulos a «tornar-se como as crianças», pois é «a quantos são como elas que pertence o Reino de Deus» (cf. Mt 18, 3; Mc 10, 14).

Caros irmãos e irmãs, as crianças trazem vida, alegria, esperança e também problemas. Mas a vida é assim! Sem dúvida, trazem inclusive preocupações e por vezes muitas problemáticas; mas é melhor uma sociedade com estas preocupações e estes problemas, do que uma sociedade triste e cinzenta, porque permaneceu sem filhos! Quando vemos que o nível demográfico de uma sociedade só alcança um por cento, podemos dizer que esta sociedade é triste e cinzenta, pois permanecem sem crianças!
© Copyright - Libreria Editrice Vaticana

Reflexão: Evangelho - Jo 10,1-10; Jo 10,22-30; Jo 12,44-50; Jo 13,16-20; Mt 13,54-58; Jo 15,1-8; Jo 14,21-26

Jo 10,1-10 "As ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz".

Por que as ovelhas se desencaminham, se seguem a voz do Pastor e não a dos ladrões? Os ladrões se especializam em imitar a voz do pastor. Quem não se interessa pela felicidade? E pela busca da liberdade total? Quem não se encanta com o amor? As propostas originárias de Jesus são recolocadas de forma a serem conseguidas sem esforço. Não nos iludamos, sem cruz não há Páscoa; sem o dom de si não há amor verdadeiro; como ser livre se o 'homem velho' mandar em nós? Senhor, que a suave e forte melodia da tua voz alcance nossos ouvidos!

Jo 10,22-30: “SE TU ÉS O CRISTO, DIGA-O A NÓS ABERTAMENTE”. 

Por que querem arrancar uma 'confissão' de Jesus? Para quem está fechado, de nada serve dizer abertamente. Na fé há luz suficiente para quem quer ver e trevas suficientes para quem não quer ver (Pascal). Para que dizê-lo abertamente? Para satisfazer a curiosidade? O que buscam, verdadeiramente? É indigno aproximar das coisas de Deus por mero desejo de saber, sem a disposição de abertura de coração. Deus não se deixa conhecer por quem não se deixa converter. Quem somos nós para pedir provas a Deus? Abramos o coração e veremos, na simplicidade das coisas, a manifestação (epifania) de Deus. Deus é simples e se esconde na complexidade, dando-se a conhecer na simplicidade. Com a sua vida, morte e ressurreição Jesus já nos disse tudo que tinha para nos dizer sobre si; a nós cabe a acolhida humilde da adesão crente.

Jo 12,44-50 "Eu não vim para julgar o mundo, mas para salvá-lo". 

Em tensão com as palavras duras de João Batista, Jesus fala de misericórdia e da paciência de Deus: o machado é tirado da raiz; mais um tempo é dado à figueira. Mas diante da 'palavra' de Jesus, ou melhor, da palavra que é o próprio Jesus, alguma decisão deve ser tomada: adesão, rejeição ou indiferença. Jesus, em quem 'habita a plenitude da divindade', se apresenta hoje e pede de nós uma escolha: ou Ele ou nós mesmos. Nossa vida se define pelas escolhas que fazemos. Que nossa vida tenha a forma do mistério da Páscoa: vida fecunda, porque foi doada.

Jo 13,16-20 "O mensageiro não é maior que aquele que o enviou". 

O contexto desta fala é o lava-pés. Nós somos os enviados, não temos autonomia em relação ao Evangelho: o que se espera do enviado é que repasse a mensagem de quem o enviou. Temos que voltar à vida de Jesus, ao seu jeito, aos seus valores. É natural que se junte uma "pátina" na vida da comunidade cristã. O Evangelho está aí para que seja recuperada a imagem original de Cristo em nossas faces de discípulos. Fazer um cristianismo ao nosso modo será sempre uma tentação. Lembremo-nos: Jesus não aceitou nem a espada de Pedro, nem o fogo do céu de João e Tiago. Ele aceitou o alabastro de perfume rompido e derramado aos seus pés.


"Ó Deus, criador do universo, que destes aos homens a lei do trabalho, concedei-nos, pelo exemplo e a proteção de São José, cumprir as nossas tarefas e alcançar os prêmios prometidos. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo". (Oração Coleta da missa de São José Operário)

Mt 13,54-58 "Não é ele o filho do carpinteiro?". 

Hoje refletimos sobre o lugar do trabalho na vida. Ao homem expulso do paraíso, o trabalho está ligado à maldição: o suor do rosto e a luta com a terra. Jesus assume também o trabalho e o redime. O homem 'em Cristo' continua lutando com a terra, mas o suor do rosto e ocasião para dar glória a Deus e fazer a terra participar da glória de sua filiação. Que o nosso trabalho seja redimido pela oferta sobrenatural que dele fazemos a Deus.

Jo 15,1-8 "Eu sou a videira e vós os ramos". 

A imagem fala por si. Jesus não é só um exemplo bom para nós, ele é a fonte de vitalidade da nossa existência. A tentação de querer produzir fruto 'por si mesmo' deve ser vencida. Nosso dinamismo pascal, a passagem da vida 'fútil' para a vida plena, só acontece em Cristo. A vida dEle deve se tornar a seiva do ramo que somos nós. Como isso se dá? Vivendo da Palavra, aceitando a mediação sacramental como acesso à humanidade ressuscitada de Jesus; vivendo da escuta da vontade de Deus. Que nossa vida manifeste a vida de Jesus!

Jo 14,21-26 "O Defensor, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito”. 

O Espírito ensina e recorda: ensina recordando e recorda ensinando. O Espírito é quem ativa a memória da Igreja. Ele recorda o que foi dito por Jesus. Jesus nos falou com palavras e gestos. As ações de Jesus, tal como narradas nos evangelhos, são "palavras" que aos crentes de todos os tempos deverão ser recordadas. É fato: nós somos seres que esquecem! O que esquecemos no nosso tempo e que o Espírito precisa nos recordar? Escutemos o que o Espírito diz à Igreja em nosso tempo! Ninguém está dispensado dessa escuta. Para os cristãos, essa escuta é feita na comunhão da Igreja.

Fonte. Pe.José Otácio Oliveira Guedes.